07 janeiro 2024

Ecologia, comportamento, cultura

A. Irwing Hallowell

Mesmo que as capacidades para o uso de instrumentos já existissem entre os primatas arborícolas, como poderiam estas criaturas ter descoberto, explorado e desenvolvidos as propriedades da pedra, pelo emprego de técnicas de transformação, nas indústrias líticas de uma determinada tradição de [fratura] de instrumentos, se passavam relativamente pouco tempo no chão? Como poderia o fogo ter-se tornado importante na vida de primatas confinados a um nicho arbóreo? Foi a vida no chão que ofereceu o ensejo para a descoberta de novas fontes de alimento e possibilitou a passagem para uma dieta carnívora e de alimentos cozidos que, por fim, levaram, possivelmente através de uma etapa intermediária de necrofagia, à caça de mamíferos de grande porte. Se considerarmos a postura erecta e a locomoção bípede como características genéricas decisivas na diferenciação estrutural e comportamental homínida, veremos que a adaptação terrestre que as acompanhou produziu mudanças radicais nas relações ecológicas dos homínidas que se encontram em processo de evolução, principalmente quando comparados com os seus antepassados primatas e com os macacos e antropoides adaptados às árvores. Funções motoras já existentes, como a preensão, foram liberadas para outros usos, e as funções discriminativas da visão binocular estereoscópica facilitaram novos desenvolvimentos das habilidades tácteis, da destreza manual e, provavelmente, das imagens visuais, que finalmente se tornaram cada vez mais mediadas pelo nível mais complexo da organização cortical, tornado possível graças à expansão do cérebro. Um novo nicho ecológico proporcionou a oportunidade não só para o exercício das potencialidades de comportamento já existentes num outro nível de organização, como também para o desenvolvimento de novos padrões comportamentais. De um ponto de vista ecológico, o habitat terrestre foi o contexto necessário para a etapa protocultural da adaptação homínida que lançou os fundamentos comportamentais para a subsequente adaptação cultural.

Fonte: Hallowell, A. I. 1978. As bases protoculturais da adaptação human. In: Mussolini, G., org. Evolução, raça e cultura, 3ª ed. SP, Nacional & Edusp. Excerto de texto originalmente publicado em 1962.

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