A fusão étnica do Brasil
Batista Pereira
Não devemos, portanto, nós, os brasileiros, curvar a cabeça à acusação de mestiçagem. Mestiças são, hoje, todas as raças do mundo, exceto os pequenos núcleos, aliás do mais baixo índice mental, dos esquimós e dos lapões e os pretos, que desde que se cruzam deixam de ser pretos.
O curioso porém é que os próprios que nos depreciam, chamando-nos mestiços, como Gobineau, dizem que a arte europeia é filha da mestiçagem, que nasceu no berço afro-europeu.
Se alguma coisa há de certo na antropologia, é que todas as nações da Europa, mormente as mediterrâneas, são mestiças. Ripley, nos mapas antropológicos, sarja de influências africanas quase todo o seu território. Em boa lógica, isto é chamar os mediterrâneos de mulatos da Europa. Os brasileiros que tiverem na cutis ‘a sombra do sol posto’ não têm de que se envergonhar. Antes deles, os antepassados de todas as nações modernas passaram pela mesma sorte. Nasceu a arte à orilha de esmeralda jônica. Quando ainda os bárbaros do norte disputavam aos ursos das cavernas os ossos das renas, já o Parthenon perfilava no horizonte da Acrópole os troncos de palmeira imperial do seu colunário. E tanto aqueles que o edificaram como os que lhe compreendiam a suprema beleza traziam nas veias esse sangue africano, que o próprio Gobineau confessa ter sido o fermento do sentimento artístico.
Mestiça, e das mais mestiças, é toda a França, o que não lhe tirou o messianismo espiritual que em vão o ciúme lhe tentaria negar. Os filhos da Dordonha, herdeiros da raça de Cro-Magnon, são irmãos dos Kabilas e Bérberes. Se dalguma coisa valem índices cranianos, se dalguma coisa valem traços fisionômicos, não passa Clemenceau de um mestiço euro-asiático, cuja origem mongoloide reponta, numa regressão atávica talvez de centúrias, nos zigomas, nas maxilas e no índice cefálico do grande francês.
Fonte (primeiro parágrafo, primeira frase): Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 6. SP, Cultrix & Edusp. Excerto de livro publicado em 1928.
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