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Nuno Júdice
Atravessam-se comigo no meio da vida,
onde o bosque se fecha e um cão antigo
sai ao caminho. Sombras: que me
quereis, agora que o sol se pôs e
a obscuridade só traz frio e solidão?
Mostrai-me os rostos, porém,
para que vos reconheça: companheiros
desse tempo em que as árvores deram
flor, as marés eram regulares como rimas,
e um riso era branco como a neve.
Não sei o que se passou no intervalo:
como é que os versos se tornaram rugas,
e as palavras se colaram ao céu da boca;
mas se ouvisse a tua voz, sem dúvida
o mesmo sentimento renasceria com ela.
Porém, não estás entre os que me
saltaram ao caminho. Amigos: deixai-me
seguir, sozinho, para o outro lado da rua; e,
aí, prometo-vos que não olharei para trás,
nem vos lembrarei sequer o nome.
Certas imagens trazem consigo a dor;
outras, talvez despertem a alegria. Só a tua,
que arrasto no esquecimento de quem fui,
se prende aos meus passos como um
remorso, e me impede de avançar.
Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1994.

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