25 novembro 2025

O Álbum

Shirley Ferreira

Ao longo do século XX, a literatura brasileira ganhou em densidade e sofisticação. Seus meandros, claro, se multiplicaram. Sempre foi, no entanto, um território contestado. Dos seus primórdios, em que era usada como instrumento de definição da identidade nacional, aos dias de hoje, quando diferentes grupos sociais reivindicam sua alteridade. Nos últimos anos, aumentou a heterogeneidade, visto que a prática literária passou a atrair e a abrigar a presença de várias minorias – e.g., mulheres (brancas e não brancas), negros (homens e mulheres), indígenas e integrantes do espectro LGBT+, segmentos outrora ignorados ou marginalizados. [...]

A literatura negro-brasileira e/ou afro-brasileira ganhou força e adentrou de vez no cenário literário. Cabe ressaltar que a trajetória dessa vertente foi marcada de dois modos: primeiro, com o sujeito negro sendo usado como matéria-prima ou tema e, segundo, no momento em que o sujeito negro passa a ser ele próprio autor dos seus textos.

Em minha pesquisa de mestrado conheci a obra de Luiz Gama (1830-1882), um dos precursores da poética negra. Autor de versos satíricos, reunidos no livro Primeiras Trovas Burlescas de Getulino (1859), que ironizava, entre outras coisas, a ideologia do branqueamento cultural dos mulatos. Ironizava também certos comportamentos das camadas sociais dominantes (política e economicamente) ainda às voltas com a monarquia. A ousadia de sua obra despertou admiração e respeito por parte de muita gente – notadamente abolicionistas – que compartilhava dos mesmos ideais. [...]

No decorrer dos estudos sobre Luiz Gama, descobri e entrei em contato com os escritos de Maria Firmina dos Reis (1825-1917). Logo me dei conta de certas semelhanças, apesar das diferenças na carreira literária – Gama, a rigor, foi autor de um único livro. Percebi, por exemplo, que ambos usaram o texto literário para expressar o desconforto e o descontentamento que sentiam diante de um sistema escravocrata. Ainda que tenham seguido trajetórias diferentes, deixaram um legado valioso que passou a servir de inspiração paraas gerações de escritores negros que vieram em seguida.

Nascida na capital da província do Maranhão, com 22 anos de idade Maria Firmina foi morar na Vila São José de Guimarães (atual município de Guimarães), onde se estabeleceria como professora e escritora. Ali, produziu uma rica obra literária também publicada em vários jornais de São Luís.

Fonte: Ferreira, S. 2025. O Álbum: Conjecturas e refutações aobre a vida e obra de Maria Firmina dos Reis. Curitiba, Appris.

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