26 outubro 2006

Uma definição de cultura

John Tyler Bonner

Existem provavelmente poucas palavras que tenham tantas definições quanto “cultura”. Recordo-me de que, quando era aluno do Professor William Weston, em Harvard, havia uma grande sala em frente ao seu gabinete, do outro lado do corredor, onde produzíamos diversas condições ambientais e de nutrição para cultivar fungos e mixomicetos. Foi aí que aprendi a hoje esquecida arte de como produzir gelatina (ágar) de batata a partir de batatas de verdade. Do lado de fora da porta de vidro dessa sala de uso comum dos estudantes, havia uma placa com uma palavra gravada em grandes letras douradas: CULTURA.


No outro extremo, há os que usam a palavra num sentido que associo a Matthew Arnold e ao
Oxford English Dictionary: cultura é um refinamento de gostos e de juízos artísticos; é o ponto máximo na purificação e no aprimoramento intelectual.

Afortunadamente, as definições em ciência são arbitrárias e eu definirei a palavra num sentido que se situa algures no enorme espaço entre os dois extremos da palavra acima mencionados. Entendo por cultura a transferência de informação por meios comportamentais, sobretudo pelo processo de ensino e aprendizagem. É usada num sentido que contrasta com a transmissão de informação genética, passada de uma geração à seguinte pela herança direta de genes. A informação transmitida de forma cultural acumula-se como tradição e conhecimento, mas a ênfase desta definição recai sobre o modo de transmissão e não sobre o seu resultado.


Nessa definição simples, tomei o grande cuidado de não a limitar ao homem, visto que, tal como foi enunciada, existem muitos exemplos bem-conhecidos de cultura entre outros animais, especialmente entre aqueles que, como os primatas, praticam amplamente a cooperação. (...)


Há uma tendência para contrastar as palavras
biológico e cultural, mas Marion Levy fez-me ver que isso é deveras lamentável. A cultura, tal como a defini, é uma propriedade adquirida por organismos vivos. Portanto, nesse sentido, é tão biológica quanto qualquer outra função de um organismo – por exemplo, a respiração ou a locomoção. De vez que estou enfatizando o modo como a informação é transmitida, poderíamos chamar uma delas de evolução cultural e a outra de evolução genética, entendendo-se que ambas são biológicas nas medida em que uma e outra envolvem organismos vivos.

Fonte: Bonner, J. T. 1983. A evolução da cultura nos animais. RJ, Zahar.


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