24 novembro 2006

Xadrez

Jorge Luís Borges

1.
No seu recanto grave, os jogadores

dirigem as lentas peças. O tabuleiro

os demora até a aurora. No seu severo

âmbito, em que se odeiam duas cores.


Dentro irradiam mágicos rigores

as formas: torre homérica, ligeiro

cavalo, armada rainha, rei postreiro,

oblíquo bispo e peões agressores.


Quando os jogadores se tiverem ido,

quando o tempo os tiver consumido,

certamente não terá cessado o rito.


No Oriente se acendeu esta guerra,

cujo anfiteatro é hoje toda a terra.

Como o outro, este jogo é infinito.


2.
Tênue rei, oblíquo bispo, encarniçada

rainha, torre direta e peão ladino

sobre o negro e branco do caminho

buscam e livram sua batalha armada.


Não sabem que a mão assinalada

do jogador governa seu destino,

não sabem que um rigor adamantino

sujeita seu alvédrio e sua jornada.


Também o jogador é prisioneiro

(a sentença é de Omar) de outro tabuleiro

de negras noites e de brancos dias.


Deus move o jogador, e este, a peça.

Que Deus atrás de Deus começa a trama

de pó e tempo e sonho e agonias?


Fonte: Buzzi, A. R. 1978. Introdução ao pensar. Petrópolis, Vozes.


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