10 março 2007

As aventuras de Tom Sawyer

Mark Twain

1.
– Tom!

Não houve resposta.

– Tom!


Ninguém respondeu.

– Estou curiosa para saber onde se meteu esse menino. Tom! Silêncio total.

A velhota abaixou os óculos e, por cima deles, olhou ao redor do quarto; tornou a puxá-los para cima e olhou através deles. Raramente ou nunca, precisava de óculos para procurar alguma coisa, mas este par era o de luxo, o seu orgulho; serviam apenas como ornamento, pois via tão bem por eles como através das portas do fogão. Durante um momento pareceu indecisa, e por fim disse, não muito alto, o suficiente forte para os móveis a ouvirem:

– Se eu pego você, eu...

Não acabou, porque nesse momento estava curvada dando vassouradas debaixo da cama, e se continuasse a falar o ar lhe faltaria. A única coisa que apareceu foi o gato.
(...)

2.
Chegou a manhã de sábado. Era a época do verão. Tudo estava fresco, brilhante e cheio de vida. Havia uma cantiga em cada coração, e, se este era jovem, essa cantiga vinha até os lábios. Todos se mostravam contentes e andavam com desembaraço. As alfarrobeiras estavam em flor, e seu perfume enchia o ar. O monte Cardiff, a cavaleiro da aldeia, estava coberto de vegetação e ficava precisamente à distância necessária para tomar o aspecto de uma terra de promissão, convidativa, cheia de sonhos e tranqüilidade.

Tom apareceu na calçada perto de casa, com um balde de cal e um pincel de cabo comprido. Olhou para a cerca e toda a alegria do seu espírito deu lugar à mais profunda melacolia. Eram trinta jardas de cerca com dois ou três metros de altura. A vida parecia-lhe sem sentido e a existência nada mais do que um fardo. Suspirando, meteu o pincel na cal e passou-o ao longo da tábua mais alta. Repetiu a operação uma e outra vez; comparou a pequena tira caiada com a enorme superfície restante por caiar e sentou-se desanimado no tronco de uma árvore.
(...)

3.
Tom aproximou-se de tia Polly, que estava sentada perto de uma janela dos fundos da casa; essa janela era a de um aposento que servia ao mesmo tempo de quarto de dormir, de sala de jantar e de biblioteca. O sol forte de verão, a tranqüilidade do momento, o aroma das flores e o monótono zumbido das abelhas tinham as suas conseqüências: cochilava sobre o seu trabalho de tricô, tendo o gato como única companhia, adormecido no regaço. Puxara os óculos para a cabeça, julgando-os assim mais seguros. Pensara que Tom devia ter se afastado havia muito, e ficou deveras surpreendida ao vê-lo aparecer e apresentar-se desse modo:

– Agora posso ir brincar, titia?

– O quê? Já terminou todo o trabalho?

– Está tudo pronto, titia.

– Não minta, Tom. Bem sabe que não suporto isso.

– É verdade, titia, está tudo pronto.
(...)

Fonte: Twain, M. 2002. As aventuras de Tom Sawyer. SP, Martin Claret. Obra originalmente publicada em 1876.

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