Vidro
Carlos de Oliveira
1.
Quem vive
nas mansardas
tem:
a) o orvalho
mais cedo,
as mansas, árduas
gotas
de aguardante
nocturna
no cálice de vidro
[ou luz?]
que é o dia
e ergue-o
primeiro
2.
que os vizinhos;
b) a madrugada
só para si
alguns instantes
antes
da luz
[ou o vidro?]
se partir
nas camadas inferiores
do prédio;
c) a chuva
mais perto
desse deserto
interior
3.
de cada um;
d) o musgo, uma luva
que cinge
múltiplos dedos
argilosos,
ardilosos abismos
para insectos
na orografia
brusca
do telhado;
e) fulgores minúsculos
que acendem
a sílica incrustada
na argila, síli-
4.
cintilando
como um céu
de estrelas
diurnas
à flor das telhas:
a janela
reflecte-o [luz
de vidro para vidro]
e intensifica o dia
quando
nas camadas inferiores
do prédio
é ainda noite.
Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1968.
0 Comentários:
Postar um comentário
<< Home