21 julho 2007

Vidro

Carlos de Oliveira

1.
Quem vive
nas mansardas
tem:
a)
o orvalho
mais cedo,
as mansas, árduas
gotas
de aguardante
nocturna
no cálice de vidro
[ou luz?]
que é o dia
e ergue-o
primeiro

2.
que os vizinhos;
b)
a madrugada
só para si
alguns instantes
antes
da luz
[ou o vidro?]
se partir
nas camadas inferiores
do prédio;
c)
a chuva
mais perto
desse deserto
interior

3.
de cada um;
d)
o musgo, uma luva
que cinge
múltiplos dedos
argilosos,
ardilosos abismos
para insectos
na orografia
brusca
do telhado;
e)
fulgores minúsculos
que acendem
a sílica incrustada
na argila, síli-

4.
cintilando
como um céu
de estrelas
diurnas
à flor das telhas:
a janela
reflecte-o [luz
de vidro para vidro]
e intensifica o dia
quando
nas camadas inferiores
do prédio
é ainda noite.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1968.

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