06 fevereiro 2008

Sonetos

William Shakespeare

15.
Quando penso que tudo e tudo quanto cresce
Só pode ser perfeito um rápido momento;
Que o mundo só ilusões, teatral, nos oferece,
Das quais o astral poder é secreto fomento;
Quando na evolução do homem, como da planta,
Vejo avanço e parada, a ação do mesmo ambiente:
Agora a vida exulta, agora se quebranta,
E até o maior primor termina obscuramente...
O conceito que formo, então, dessa ocorrência
Se ajusta em vós, em cuja excelsa juventude
O Tempo destruidor se alia à Decadência,
Para que em feia noite a vida vos transmude.
E em guerra com o Tempo, amando-vos, decerto,
O que ele de vós tira eu novamente enxerto.

16.
Mas por que não usais maneira mais segura,
Para guerrear o Tempo, o tirano, o perverso?
Por que não vos valeis, contra a ameaça futura,
De recurso melhor que o meu sáfaro verso?
No cimo agora estais das horas de esplendores;
Muitos jardins vereis, muitos, virgens ainda
Que, com honesto querer, vos ofertarão flores
Mais vivas e mais sãs do que as que o sonha alinda.
Vede: as linhas da vida é assim que elas as repara.
Nenhum pincel, decerto, ai! nem a minha pena
A vossa alma gentil ou vossa forma rara
Poderá perpetuar ante a visão terrena.
Sede pai – que para isso o tempo inda vos sobra –
E só então vivereis nas linhas da vossa obra.

17.
Quem crer pudera, tempo em fora, no meu verso,
Se o vosso alto valor eu proclamasse nele?
Então – e sabe-o o céu – como em tumba, ao inverso,
Vossa vida aí oculto e o mais que em vós excele.
Dissesse eu o que minha alma em vossos olhos sente,
Vossas graças, fiel, todas enumerasse,
E o futuro diria: Este poeta mente;
Beleza assim não há da terra sobre a face”.
E, pois, os meus papeis – por velhos – pardacentos,
Seriam tidos como os reles palradores,
E os vossos dotes reais, olhados como inventos,
De canto antigo ao meu dariam falsas cores.
Mas, se outra alma existir em que a vossa se exprima
Duas vezes vivereis; nela e na minha rima.

18.
Poderei comparar-te, acaso, a um dia estivo?
Mais agradável és, porque és mais moderado.
Caem os lindos botões de maio, ao vento esquivo,
E o tempo do verão é muito limitado.
Algum vez, o olhar do céu mui quente brilha;
Outras, o resplendor dourado se lhe embaça;
E, casualmente, ou por mudar a vária trilha,
A Natureza perde a sua imensa graça.
Mas não murchará nunca o teu verão eterno,
Nem perderá jamais os encantos ingentes,
Nem morrerá, tampouco, o teu garbo superno,
Se afrontares a morte em meus versos veementes.
Enquanto existir mundo ou o olhar puder ver,
Meus versos viverão e hás de neles viver.

19.
Embotas, voraz Tempo, ao leão as garras sevas;
À terra a engolir dás seus próprios descendentes;
Longeva, no seu sangue, a arder a fênix levas;
Tiras do fero tigre os lacerantes dentes.
Passando, as estações ledas ou tristes fazes...
Que é que, alígero Tempo, acharás infactível?
Um crime não farás, porém, dos mais audazes
Perante o mundo e o seu encanto marcescível:
Não danificarás do meu amor a imagem;
Nunca de ultrajes teus a verás atingida.
E, resistindo-te ela, incólume, à passagem,
Modelo da beleza há de ser toda a vida.
Ainda mais, velho Tempo, ante a tua fúria, terso,
Há de ser meu amor jovem sempre em meu verso.

Fonte: Shakespeare, W. 2006. Sonetos. SP, Martin Claret. A obra completa consta de 154 sonetos e foi originalmente publicada em 1609.

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