O fantasma e suas aparições
Juan Malpartida
1.
Presente sem presente,
pedra negra na boca do céu.
O eco do sangue
e o eco do ecos
como um único verso
que caminha a cidade.
Os passos, a memória,
a volta do começo
a parte alguma.
O dia que amanhece,
a noite que anoitece: as armadilhas do tempo.
A chicotada da história
e a tarde sem medida de verão
coalhada de insetos.
O Sol
zumba como um besouro
na caverna da palavra imensa.
2.
Toda a noite com o rosto na sombra
porque a palavra resiste a ser dita.
Todas as palavras com a voz na sombra
porque a vida resiste a ser dita.
3.
O vazio que une o ar com a parede,
o salto que as sílabas dão
entre a boca e os dedos:
pulgas na fervura da consciência!
A palavra gafanhoto
e a palavra pião,
aquilo que se espera,
a espera tenaz da vertigem.
A língua e seu mar de fundo,
a mão e sua noite,
o fantasma e suas aparições.
Isto que toco é distância pura.
4.
Fastos nefastos
a mirada circular da noite,
o grasnido do eu
na festa dos espelhos,
as perseguições da memória
inalcançável,
a areia
em rodamoinhos pelo ar
açoitando a claridade do dia,
desprumando-se depois de um instante
nesta cicatriz do tempo.
Volta a acre cerimônia do limite,
a incineração do corpo
e sua dispersão pela poeira
de um dia sem memória.
O desejo
de invocar as cinco direções
agrupando a voz do que é disperso:
runa que percorre o corpo,
palavra que procura uma certeza que não pese
em nosso incerto espaço.
Poeta: conector de incêndios,
atarefado e dissipado recolhedor
de vogais de cinzas
enlaçadas por mudas consoantes.
O que ouves? O que dizem?
Melhor que te amarrem ao mastro principal:
nestas ilhas há vozes irreais
e líricos comerciantes de sucata.
Fonte: Costa, H. 1992. Antologia de poesia hispano-americana atual. Revista USP 13: 186-205. Poema originalmente publicado em 1991.
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