A piedade
Roberto Piva
Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através dos meus sonhos
Fonte: Hollanda, H. B., org. 2001 [1976]. 26 poetas hoje, 4ª edição. RJ, Aeroplano. Poema originalmente publicado em 1963.
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