Noturno de uma vila qualquer
Dantas Motta
Nenhum ruído de cães nas latas de lixo.
(Aqui não há cães, nem latas de lixo.)
Como também não há os mendigos.
Em uma ou outra casa, se conversa,
E o pó do café, escorrendo pelas janelas,
Preteja as paredes dos fundos.
Olga, desfolhada, não me veio esta noite.
Ninguém mesmo tropeçou nas cadeiras da sala.
Mas deve haver algum defunto, alguma
Criança germinando dentro da noite.
E não é sem tempo que Maria Balduína,
A parteira, com uma luz acesa a desoras,
Domine as mulheres grávidas da vila.
Orozimbo pisa que nem distrito federal
A Ladeira do Meio, o Beco dos Andrades,
Enquanto Pedro Vieira ensaia u’a modinha qualquer
(felizmente engasgada) à Anita Eleocádia.
O subdelegado de polícia e a cadeia pública
Dormem. Rápido, um vulto de preto, chicoteando
Morcegos, a Rua de Cima atravessa,
Como se fora a viúva do farmacêutico no cio,
Como se fora o padre conduzindo a âmbula.
Havia mesmo uma chusma de cavalos mancos
Pelas ruas. As almas, pela noite, andavam
Como símios. Nem todo o arraial dormia.
O próprio cemitério matutava.
Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema originalmente publicado em 1946.
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