A imagem oposta
Cassiano Ricardo
Espelho, sub-reptício espelho,
meu professor de disfarce.
Quem poderá disfarçar-se
sem recorrer ao seu conselho?
É diante dele que componho
não só a gravata, meu enfeite,
mas o meu jeito de rir, tristonho,
para que o mundo me aceite.
Suspenso defronte à janela,
falador, não obstante mudo,
ele é o meu jornal tagarela
que em segredo me conta tudo.
Graças ao seu préstimo avisto
tudo o que se passa lá fora.
E vejo, sem jamais ser visto,
a vida que se vai embora...
Veja o amigo... (ah, eu o compreendo)
o amigo que mais considero.
Aquele que só é sincero
por não saber que o estou vendo.
Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial.
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