Sainte-Victoire depois da morte de Cézanne
Al Berto
no mais remoto isolamento da memória
guardei preciosamente a sombra dos basaltos
luminosos xistos frestas de granito janelas
perto de sainte-victoire mais cinzenta que nunca
pintava sem cessar pintava
desde o alvorecer até que a noite descia
obrigando a mão e o pensamento a desfalecer
trabalhei sempre a obsessiva luz
mas a velhice aprisionou-me na vertigem
muito longe na idade
continuei a pintar sur motif
parecia-me fazer lentos progressos
quase compreendi os sobrepostos planos
de um mesmo objecto sob a claridade d’aix
foi em 1906
montado num burro carregado com material
ia por onde o cortante mistral passara
deixando a descoberto o implacável sol
modulava terras pinhais nuvens casas corpos
mas a morte não consentiu que eu executasse
as vislumbradas geométricas paisagens e
comigo se perdeu o segredo dessa pirâmide
que é sainte-victoire vibrando
na cegante luminosidade do meio-dia
Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1986. Para ver obra de Cézanne, clique aqui.
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