Paisagem e memória
Simon Schama
Só quando passei para a escola secundária percebi que não devia gostar de Rudyard Kipling. Foi um choque. Não que eu me importasse muito com Kim e Mowgli. Já Puck of Pook’s hill [O diabrete do monte Pook] era outra história – na verdade, minha história favorita, desde que ganhei o livro ao completar oito anos de idade. Para um menino com a cabeça no passado, a fantasia de Kipling era poderosamente mágica. Evidentemente, havia na Inglaterra certos lugares nos quais pessoas, que ali estiveram séculos atrás, de repente se materializavam, de modo inexplicável, diante de uma criança (neste caso, Dan ou Una). Com a ajuda do diabrete podia-se viajar através do tempo sem sair do lugar. No monte Pook, os felizardos Dan e Una conversaram com guerreiros vikings, centuriões romanos, cavaleiros normandos e, depois, foram para casa tomar chá.
Eu não dispunha de nenhum monte, porém tinha o Tâmisa. Não era o rio a montante que, segundo os poetas de minha antologia Palgrave, borbulhava por entre margens cobertas de musgo. Tampouco era a larga estrada verde-oliva que divide Londres. Eu tinha o estuário baixo, visitado pelas gaivotas, o leito nupcial de sal e água doce, estendendo-se até onde conseguia avistá-lo, de minha margem no Norte de Essex, e dirigindo-se para um estreito horizonte negro no outro lado. Lá estava Kent, o sinistro inimigo que sempre nos derrotava no campeonato de críquete. Na maior parte dos dias, o vento nos trazia uma lufada de aromas, mensagens olfativas da cidade e do mar: tráfego intenso e peixe fresco. E, entre elas, o cheiro do próprio velho: penetrante e rançoso, como se o exalasse um vasto fungo sufluvial existente no lodo primevo.
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Fonte: Schama, S. 1996. Paisagem e memória. SP, Companhia das Letras.
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