Julgavas, então, que a poesia era um discurso
António Franco Alexandre
Julgavas, então, que a poesia era um discurso
de palavras em sentido? Sei quanto a musa aprecia
glória, poder e uniforme, quanto aguarda
o cavaleiro que produz.
A vida, afinal, anda lá fora, antes da folha
ter passado a prensa;
a mais pequena árvore é verde eterna, comparada ao arbusto
que, mal tocada a haste, se desvai em fumo.
Por isso eu fico lendo as crónicas, as lendas,
o jornal, que bem ou mal, cruza as palavras com o tempo,
e contudo! quando o lábio se engana, solta
a mais aguda fífia do trombone,
e de repente o corpo sabe a gente, e então se diz: eis
a verdadeira e pura poesia! pois seria, talvez,
somente a tua mão, cobrindo a folha.
Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores.
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