A uma passante pós-baudelairiana
Carlito Azevedo
Sobre esta pele branca
um calígrafo oriental
teria gravado
sua escrita luminosa
– sem esquecer entanto
a boca: um ícone em rubro
tornando mais fogo
o céu de outubro
tornando mais água
a minha sede
sede de dilúvio –
Talvez este poeta afogado
nas ondas de algum danúbio imaginário
dissesse que seus olhos são
duas machadinhas de jade
escavando o constelário noturno
(a partir do que comporia
duzentas odes cromáticas)
mas eu que venero mais que o ouro-verde raríssimo
o marfim em alta-alvura
de teu andar em desmesura sobre
uma passarela de relâmpagos súbitos
sei que tua pele pálida de papel
pede palavras de luz
Algum mozárabe ou andaluz decerto
te dedicaria um concerto
para guitarras mouriscas
e cimitarras suicidas
Mas eu te dedico quando passas
me fazendo fremir
(entre tantos circunstantes, raptores fugidios)
este tiroteio de silêncios
esta salva de arrepios.
Fonte: Moriconi, I. 2001. Os cem melhores poemas brasileiros do século. RJ, Objetiva. Poema originalmente publicado em 1991.
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