19 dezembro 2008

Um mundo intolerável

René Dumont

12.
[...]
Quando fui convocado para o serviço militar contra a minha vontade, em 1924 – o estatuto de insubmisso por motivos de consciência não existia naquela época –, o exército me fez saber que primeiro tinha que obedecer, mesmo que tivesse de protestar depois. O que significa, às vezes, em caso de guerra, morrer sem discutir. A humanidade inteira, em estado de agressão permanente, é submetida ao mesmo diktat. Para fazer recuar as forças da morte, os demônios do mal, ela deve se libertar, unir-se para reivindicar um futuro que não seja mais ameaçado, todos os dias, pelo espectro nuclear.

Outras razões nos impelem a nos opormos ao poder dos militares ou aos militares no poder. Já os vimos o suficiente em ação, em todos os tempos, em todos os países. Contrariamente ao que pretendem, eles não estão apenas aí para engajar e ‘ganhar’ os conflitos com as nações estrangeiras; eles lutam doravante contra ‘o inimigo anterior’ [sic] junto às forças de repressão policial, em nome daquilo que os militares do Brasil chamam de segurança nacional.

Os militares de nenhum modo são democratas: podemos observá-los, não só na China, na URSS e na Etiópia, como também em Marrocos, no Chile, no Brasil e na Argentina. Neste último país superaram a si mesmos no domínio do assassinato (batizado como ‘desaparecimento’), da tortura e de todos os aspectos mais repugnantes da repressão. Na América Latina, mesmo quando tiveram que passar o poder aos civis, após demonstrarem sua total ineficácia em economia, permanecem agindo nos bastidores como o mais poderoso dos lobbies, intervindo no plano político. No Brasil, na Colômbia, nas Filipinas e em El Salvador, eles se opõem – desta vez com sucesso – a essa reforma agrária da qual sabem que poderia se tornar a pedra angular da justiça social, portanto, de uma verdadeira democracia. A luta pela democracia exige, então, o retorno dos militares à caserna, disso sabemos há muito tempo: em todo caso desde Cícero, que dizia Cedant arma togae: o militar deve ‘ceder’ diante do poder civil. Enquanto se aguarda a supressão dos exércitos – como já acontece na Costa Rica.

Fonte: Dumont, R. 1989. Um mundo intolerável. RJ, Revan.

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