Por uma teoria da morfogênese
René Thom & Émile Noël
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Émile Noël – Pode haver similitudes de formas e similitudes de funções. É possível cruzar essas duas noções?
René Thom – Você sabe, o biólogo inglês [Richard] Owen dizia que dois órgãos são homólogos se possuem a mesma relação quanto aos outros órgãos, mesmo que existam variações de formas e de funções. Owen admitia a existência das variações de formas intrínsecas e das variações funcionais, mas atinha-se à possibilidade de uma estruturação global que seria, esta sim, definida intrinsecamente. Mas, se a intenção é precisão, é necessário efetivamente proceder de outra forma e partir da noção daquilo que Aristóteles chamava de homeomerias, isto é, ambientes fenomenologicamente homogêneos. Uma homeomeria é um ambiente tal que, se tenho dois pontos A e B nesta homeomeria, o ponto A tem uma pequena vizinhança na esfera VA, o ponto B uma pequena vizinhança na esfera VB e, no interior dessas duas esferas, pode-se aplicá-las uma sobre a outra de modo compatível com suas propriedades fenomenais.
Émile Noël – Isso significa, por exemplo, que todo tecido muscular, segundo Aristóteles, é uma homeomeria?
René Thom – Exatamente. A medula é uma homeomeria. O sangue é uma homeomeria. As anomeomerias, ao contrário, caracterizam-se pelo fato de que nelas se encontram biombos que separam os ambientes fenomenologicamente diferentes.
Émile Noël – Chama-se a isso de anomeomerias?
René Thom – Sim. São as partes do corpo descritas pela linguagem comum: a cabeça, o pescoço, os membros etc.
Émile Noël – Compostas por diversos tecidos diferentes...
René Thom – Isso mesmo. Aliás, existe aí um problema que se pode levantar para a biologia contemporânea, entrevisto por Aristóteles – ele não o resolveu, mas o entreviu: em toda anomeomeria, existem diversas homeomerias. Em outras palavras, para que um ambiente seja funcionalmente atuante no organismo, ele não pode ser homogêneo. É preciso que tenha, como atualmente se diria, compartimentos diferentes, separados por membranas. E o papel das membranas é justamente um enorme problema teórico da biologia contemporânea: Por que membranas?
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Fonte: Noël, E., org. 1996. As ciências da forma hoje. Campinas, Papirus.
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