Rebeldes em busca de uma causa
René Dubos
Este livro deveria ter
sido escrito com indignação. Eu deveria estar exprimindo em termos mais
enérgicos possíveis minha angústia ao ver tantos valores humanos e naturais
corrompidos ou destruídos em sociedades ricas, bem como minha repulsão pelo
malogro da comunidade científica em organizar um esforço sistemático contra a
profanação da vida e da natureza. A feiúra ambiental e a violação da natureza
podem ser desculpadas quando resultam de pobreza mas não quando ocorrem em meio
à fartura e sem dúvida são produzidas pela opulência. O descuido para com os
problemas humanos, por parte da comunidade científica, poderia ser justificado
se fosse devido à falta de recursos ou de métodos de abordagem, mas não pode
ser perdoado numa sociedade que sempre encontra recursos suficientes para
resolver os problemas que dizem respeito a interesses egoístas.
[...]
Frases como ‘um só mundo’
e ‘ fraternidade humana’ são repetidas incessantemente nas conversas e discursos
oficiais exatamente ao mesmo tempo em que guerras políticas e distúrbios
raciais grassam pelo mundo inteiro. Os políticos e os que lidam com imóveis
advogam programas para o embelezamento de cidades e estradas ao mesmo tempo [em]
que permitem que o excitante esplendor da paisagem natural americana degenere
numa imensa feiúra. As encostas de montanhas antes cobertas com magníficas
florestas hoje são revestidas por vegetação rala; os detritos industriais provocam
a esterilidade dos cursos d’água onde abundavam peixes; os agentes de poluição
do ar dão origem a nevoeiros opacos e irritantes que ofuscam os céus mais
brilhantes e espetaculares. O preço do poder, simbolizado pelas superestradas e
fábricas gigantescas, é a violação da natureza e da vida humana.
[...]
Pouco antes de sua morte
em 1963, o novelista e ensaísta inglês Aldous Huxley lamentou, em várias
oportunidades, que a literatura e as artes não tivessem derivado da ciência e
da tecnologia modernas inspiração alguma que valesse a pena. Ele imaginava que
a razão para esse malogro era que os escritores e artistas não estavam a par
dos modernos desenvolvimentos da ciência e da tecnologia. Isso pode ser parte
da explicação, mas somente uma parte muito pequena. Como a maioria dos outros
seres humanos, os escritores e artistas estão preocupados principalmente com
percepções, emoções e valores que o empreendimento científico deve
deliberadamente ignorar. Entretanto, os cientistas não deveriam contentar-se em
estudar a máquina biológica cujo corpo e mente podem ser alterados e
controlados por drogas e dispositivos mecânicos. Deveriam preocupar-se mais
atentamente com a natureza e os objetivos do homem. Somente assim poderiam
aprender a falar ao homem por meio de uma linguagem verdadeiramente humana e
não [por meio] de jargão técnico.
Fonte: Dubos, R. 1974
[1968]. Um animal tão humano. SP,
Melhoramentos & Edusp.
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