Morte no interrogatório
Egito Gonçalves
Às três da madrugada eu
dormia sem sonhos.
Minha mulher dormia a meu
lado. Eu tinha
uma da mãos pousada sobre
a sua coxa.
Uma lua de outono brilhava sobre as ruas;
um ar agreste preparava as noites para o inverno.
Às três da madrugada os
companheiros
dormiam quase todos. Um
deles, porém,
regressava, fatigado, de
um trabalho nocturno.
Era a hora dos fogos-fátuos sobre as campas;
a hora em que os exilados buscam o sono em comprimido.
Às três da madrugada sua
mulher ainda velava.
Embrulhada num xaile
tinha um livro entre as mãos;
insone, acendera a luz
havia meia hora.
Na sala o interrogatório atravessava o tempo;
lâmpadas de mil vátios tornavam a vida irrespirável.
Às três da madrugada o
coração fraquejou
e os dois comissários
ficaram perante um homem morto
e dois cinzeiros com
trinta pontas de cigarros.
Fonte: Silva, A. C. &
Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em
livro em 1963.
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