A ironia dos vermes
Cruz e Souza
Eu imagino que és uma
princesa
Morta na flor da
castidade branca...
Que teu cortejo sepulcral
arranca
Por tanta pompa espasmos
de surpresa.
Que tu vais por um coche
conduzida,
Por esquadrões flamívomos
guardada,
Como carnal e virgem
madrugada,
Bela das belas, sem mais
sol, sem vida.
Que da Corte os luzidos
Dignitários
Com seus aspectos
marciais, bizarros,
Seguem-te após nos
fagulhantes carros
E a excelsa cauda dos
cortejos vários.
Que a tropa toda forma
nos caminhos
Por onde irás passar
indiferente;
Que há no semblante vão
de toda a gente
Curiosidades que parecem vinhos.
Que os potentes canhões
roucos atroam
O espaço claro de uma
tarde suave,
E que tu vais, Lírio dos
lírios e ave
Do Amor, por entre os
sons que te coroam.
Que nas flores, nas
sedas, nos veludos,
E nos cristais do féretro
radiante
Nos damascos do Oriente,
na faiscante
Onda de tudo há longos
prantos mudos.
Que do silêncio azul da Imensidade,
Do perdão infinito dos
Espaços
Tudo te dá os beijos e os
abraços
Do seu adeus à tua
Majestade.
Que de todas as coisas
como Verbo
De saudades sem termo e
de amargura,
Sai um adeus à tua
formosura,
Num desolado sentimento
acerbo.
Que o teu corpo de luz,
teu corpo amado,
Envolto em finas e
cheirosas vestes,
Sob o carinho das Mansões
celestes
Ficará pela Morte
encarcerado.
Que o teu séquito é tal,
tal a coorte,
Tal o sol dos brasões,
por toda a parte,
Que em vez da horrenda
Morte suplantar-te
Crê-se que és tu que
suplantaste a Morte.
Mas dos faustos mortais a
regia trompa,
Os grandes ouropéis, a
real Quermesse,
Ah! tudo, tudo proclamar
parece
Que hás de afinal
apodrecer com pompa.
Como que foram feitos de
luxúria
E gozo ideal teus
funerais luxuosos
Para que os vermes, pouco
escrupulosos,
Não te devorem com
plebéia fúria.
Para que eles ao menos
vendo as belas
Magnificências do teu
corpo exausto
Mordam-te com cuidados e
cautelas
Para o teu corpo
apodrecer com fausto.
Para que possa apodrecer
nas frias
Geleiras sepulcrais d’esquecimentos,
Nos mais augustos
apodrecimentos,
Entre constelações e
pedrarias.
Mas ah! quanta ironia
atroz, funérea,
Imaginária e cândida
Princesa:
És igual a uma simples
camponesa
Nos apodrecimentos da
Matéria!
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