Anjo és
Almeida Garrett
Anjo és tu, que esse
poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de ter em
mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem
fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se
inclina,
E minha alma forte,
ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és
mulher.
Anjo és. Mas que anjo és
tu?
Em tua frente anuviada
Não vejo a c’roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d’amor.
Teus olhos têm negra a
cor,
Cor de noite sem estrela;
A chama é vivaz e é bela,
Mas luz não tem. – Que
anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me
trouxeste
De Jeová ou Belzebu?
Não respondes – e em teus
braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado,
estreito!...
Isto que me cai no peito
Que foi?... Lágrima? –
Escaldou-me...
Queima, abrasa, ulcera...
Dou-me,
Dou-me a ti, anjo
maldito,
Que este ardor que me
devora
É já fogo de precito,
Fogo eterno, que em má
hora
Trouxeste de lá... De
donde?
Em que mistérios se
esconde
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu ou és mulher?
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