28 março 2016

Amores de uma criança

Mendes Leal

Amores d’uma criança
São amores infantis:
Ama o verde cor da esp’rança,
Dos amenos alcantis.
Revê-se alegre nas flores,
Sem pesares, sem temores,
Que são elas seus amores,
Os seus brincos juvenis!

Das águas ama a corrente,
Que no campo vem cair;
Ama a linfa transparente,
Mira-se n’ela a sorrir.
E no sorriso inocente,
Sisma e procura na mente
A causa de quanto sente
Sem pode-la definir!

Ama as aves na ramagem,
Alegremente a trinar;
Ama os salgueiros na margem
Na margem do verde mar.
Ama a vaga que espumando,
Quando a praia vem beijando
Como que diz sussurrando
De Deus o santo falar.

Ama as luzentes estrelas
No firmamento a brilhar,
Lindas, lindas todas elas,
Todas elas de encantar.
Ama o celeste anilado
Em que se vê retratado
Do Eterno o poder sagrado,
Que devemos respeitar!

Ama a palidez da lua,
Dá-lhe um vago e doce enleio,
Vendo o astro que fluctua
Sente incógnito recreio.
E sisma a todo o momento,
No seu curto entendimento,
Como pode o firmamento
Sustentá-la no seu seio.

Ama tudo o que é beleza,
Quer da terra quer dos céus,
Ama toda a natureza,
Ama o seu e nosso Deus;
Ama a doce melodia,
Ama a noite como o dia,
Ama instinctiva a poesia,
Que ela tem nos beijos seus!

Fonte (última estrofe): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª edição. BH, Editora Bernardo Álvares. Poema publicado em livro em 1859.

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