14 março 2016

Sobre o fascismo

Ernest Mandel

1.
A história do fascismo é simultaneamente a história da análise teórica do fascismo. A simultaneidade de aparição de um fenómeno social e das tentativas feitas para o compreender é mais evidente no caso do fascismo do que em qualquer outro exemplo da história moderna.
[...]

2.
A teoria do fascismo de Trotsky é o produto do método marxista de análise da sociedade. [...]

3.
A teoria do fascismo de Trotsky é formada por uma unidade de seis elementos; no interior desta unidade cada elemento possui uma certa autonomia e uma evolução determinada em virtude das suas contradições internas: mas a unidade só pode ser compreendida como uma totalidade fechada e dinâmica na qual esses elementos, não isoladamente mas na sua intrínseca conexão recíproca, podem explicar o ascenso, a vitória e a queda da ditadura fascista.

a) O ascenso do fascismo é a expressão da grave crise social do capitalismo decadente, uma crise estrutural que pode coincidir – como nos anos 1929-1933 – com uma crise econômica clássica de sobreprodução, mas que é muito mais ampla do que uma simples flutuação de conjuntura. [...]

b) Na época do imperialismo e do movimento operário contemporâneo, historicamente desenvolvimento, a burguesia exerce o seu domínio político do modo mais vantajoso, isto é, com o mínimo de custos através da democracia parlamentar burguesa. [...]

c) Nas condições do capitalismo industrial monopolista contemporâneo e dada a imensa desproporção numérica entre os trabalhadores assalariados e os grandes capitalistas, uma tão grande centralização do poder de Estado, que implica além disso a destruição da maior parte das conquistas do movimento operário contemporâneo (em particular de todos “os gérmens de democracia proletária no quadro da democracia burguesa, que são as organização de massa do movimento operário”, segundo a correcta definição de Trotsky), é praticamente irrealizável por meios puramente técnicos. [...]

d) Um tal movimento de massas apenas pode ser construído na base da pequena-burguesia, a terceira classe social do capitalismo, que se encontra entre o proletariado e a burguesia. Se esta pequena-burguesia é atingida duramente pela crise estrutural do capitalismo decadente (inflação, falência das pequenas empresas, desemprego maciço de diplomados, técnicos e desempregados das categorias superiores), de modo a cair no desespero, surgirá, pelo menos numa parte dessa classe, um movimento tipicamente pequeno-burguês feito de reminiscências ideológicas e rancor psicológico, que alia a um nacionalismo extremo e a uma demagogia anticapitalista violenta, pelo menos em palavras, um profundo ódio em relação ao movimento operário organizado (“abaixo o marxismo”, “abaixo o comunismo”). [...]

e) Para que a ditadura fascista possa cumprir a sua função histórica, o movimento operário tem de ser previamente derrotado e esmagado; mas isto só é possível se antes da tomada do poder, o equilíbrio se deslocar a favor dos bandos fascistas e em detrimento da classe operária. [...]

f) Se o fascismo conseguir “esmagar o movimento operário sob as suas investidas”, terá cumprido o seu dever do ponto de vista do capitalismo monopolista; o seu movimento de massas acaba por burocratizar-se e é em grande parte absorvido pelo aparelho de Estado burguês; isto é possível apenas na medida em que as formas extremas de demagogia plebeia pequeno-buguesa, presentes nos “objectivos do movimento”, desapareçam e acabem por ser apagadas pela ideologia oficial.
[...]

Fonte: Mandel, E. 1976 [1969]. Sobre o fascismo. Lisboa, Antídoto.

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home

eXTReMe Tracker