20 março 2016

A matilha

Teófilo Dias

Pendente a língua rubra, os sentidos atentos,
Inquieta, rastejando os vestígios sangrentos,
A matilha feroz persegue enfurecida,
Alucinadamente, a presa malferida.

Um, afitando o olhar, sonda a escura folhagem;
Outro consulta o vento; outro sorve a bafagem,
O fresco, vivo odor, cálido e penetrante,
Que na rápida fuga a vítima arquejante
Vai deixando no ar, pérfido e traiçoeiro;
Todos, num turbilhão fantástico, ligeiro,
Ora, em vórtice, aqui se agrupam, rodam, giram.
E, cheios de furor frenético, respiram;
Ora cegos de raiva, afastados, dispersos,
Arrojam-se a correr. Vão por trilhos diversos,
Esbraseando o olhar, dilatando as narinas.
Transpõem num momento os vales e as colinas,
Sobem aos alcantis, descem pelas encostas,
Recruzam-se febris em direções opostas,
Té que da presa, enfim, nos músculos cansados
Cravam, com avidez, os dentes afiados...

Não de outro modo, – assim meus sôfregos desejos,
Em matilha voraz de alucinados beijos,
Percorrem-te o primor das langorosas linhas,
As curvas juvenis, onde a volúpia aninhas,
Frescas ondulações de formas florescentes
Que o teu contorno imprime às roupas eloquentes;
O dorso aveludado, elétrico, felino,
Que poreja um vapor aromático e fino;
O cabelo revolto em anéis perfumados,
Em fofos turbilhões, elásticos, pesados;
As fibras sutis dos lindos braços brancos,
Feitos para apertar em nervosos arrancos;
A exata correção das azuladas veias
Que palpitam, de fogo intumescidas, cheias...
– Tudo a matilha audaz perlustra, corre, aspira,
Sonda, esquadrinha, explora e anelante respira,
Até que, finalmente, embriagada e louca,
Vai encontrar a presa – o gozo – em tua boca.

Fonte (versos 19-20): Bosi, A. 2013. História concisa da literatura brasileira, 49ª edição. SP, Cultrix. Poema publicado em livro em 1882.

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