28 junho 2016

A informação internacional

Newton Carlos

A comparação entre o que se fazia ontem e o que se faz hoje, em matéria de noticiário internacional, assume importância maior na medida em que encolhe o espaço aberto a informações de fora. A América Latina, por exemplo, se torna ilustre desconhecida. Diz-se que o fenômeno não é nacional, é universal. A Foreing Affairs, um dos porta-vozes do establishment diplomático dos Estados Unidos, que tratou dessa questão, confirmou a tendência à contração e citou, talvez como razões maiores, da parte de lá, o fim da Guerra Fria e o consequente desinteresse dos americanos pelo que se passa no resto do mundo. Constatação tomada como paradigma.

Mas o que nós, leitores brasileiros, temos a ver com o comportamento americano diante do fim da Guerra Fria? Claro, Estados Unidos e a ex-União Soviética pararam de trocar murros em países miseráveis do Terceiro Mundo. Era o link enunciado por Kissinger, tudo passando pelo eixo Washington-Moscou. Sem isso, sem Guerra Fria, é o raciocínio, reduz-se o appeal das notícias que colocam o universo ao nosso alcance. A varrida entre nós, que é fato, basta olhar jornais e televisão para constatá-lo, teria aí suas origens. O noticiário internacional se encolhe e adota o fait divers como forma, diz-se, de atrair leitores. “Um escândalo sexual na monarquia inglesa me interessa mais do que a matança na Colômbia”, me avisou certa vez um editor da área.

Relembrar o trabalho no Binômio dá mais vida ao contraponto, porque mostra ênfases distantes do link que procurava encaixotar-nos antes mesmo do advento de Kissinger. Os tempos eram ricos. Fim do colonialismo, nascimento de um terceiro-mundismo, erupção de neutralismos, reivindicações de comércio e não ajuda, revolução cubana, a América Latina tentando desgarrar-se da condição de parte da bancada dos Estados Unidos na ONU etc. O Brasil afinal despertava para ebulições que pressionavam a rígida alternativa ou Washington ou Moscou. No Binômio, os assuntos de fora não se apresentavam estanques. Foi dada a mim a oportunidade de colocar o Brasil num contexto mais amplo.

Coisas distantes, aparentemente insignificantes para nós, como os desdobramentos da reunião de Bandung, lá na Indonésia, no outro lado do mundo, de repente podiam ser tratadas como algo do nosso interesse direto. O Brasil virou a cara ao colonialismo português, abraçou o neutralismo, por meio de afagos, nem sempre de pulso forte, ensaiou a criação com a Argentina de um eixo continental de autonomia etc. Tudo isso, visto hoje como velharias, estava no Binômio, com enfoques próprios, além do que informavam os antigos telegramas e à margem da influência de publicações europeias, extremamente intelectualizadas. Temas nacionais eram acoplados às suas projeções externas, quase uma novidade na época. Não havia uma ‘seção internacional’.

Fico pensando como seria o Binômio atualmente, sobretudo num campo, o da informação internacional, que se submete cada vez mais aos padrões e gostos da mídia eletrônica de longo alcance. Reportagens muito bem feitas, mas sem o travo das implicações e anseios nacionais e regionais. Esse travo, essa visão ‘de dentro’, as matérias do Binômio tinham. O link imaginado por Kissinger afinal se impõe, adaptado ao pós-Guerra Fria, já sem Moscou, por meio de padrões e gostos de uma mídia imperial em seus recursos, alcances e centralização das decisões estratégicas. Se vivo, o Binômio certamente procuraria rompê-lo.

Fonte: Rabêlo, J. M. 1997. Binômio: edição histórica. BH, Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.

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