18 outubro 2016

Baldio

Nuno Júdice

No campo, os rebanhos confundem-se com o verde
das pastagens, como se fosse a erva a comê-los;
e o balido das cabras e o som dos guizos, que
se misturam com o latido dos cães, escondem
também eles a voz do pastor, que nada diz acerca
do destino (supondo que um rebanho tem destino).

No campo, ninguém vê para onde vão esses rebanhos
quando, à tarde, atravessam a estrada e obrigam
os carros a parar. Por vezes, um condutor insiste
em abrir caminho através das peles e dos chifres; mas
os cães metem-se à frente do carro, como se ele
fizesse parte do rebanho, e forçam-no a desviar-se.

Há regras a seguir neste mundo, que a natureza
humana não consegue alterar. É como se campo
e animais formassem um só corpo; como se
nenhum de nós conseguisse entrar nesse
obscuro mundo de leis e direções invisíveis. E até
o pastor, em silêncio, parece guiado pelos deuses.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1994.

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home

eXTReMe Tracker