Minha reportagem sobre Cuba
Guy de Almeida
Finalmente estava ali,
naquele ensolarado dia de janeiro de 1961, ao pé da escada de desembarque no
aeroporto de Havana, pisando pela primeira vez o solo da ilha. Recebido com um
convite para descobrir o daiquiri ao som de uma rumba executada na pista por um
conjunto em trajes típicos, o jovem jornalista já sabia algo do que iria ver,
pois para lá havia viajado várias vezes, antes que surgisse aquela oportunidade
inesperada.
Havia viajado com Jean
Paul Sartre nas páginas do Furacão sobre
Cuba; descobrira tratar-se de uma revolução de ‘jovens iluminados’ com
Fernando Sabino e Rubem Braga; subira a Sierra Maestra montado nas reportagens
pioneiras do grande Herbert Mathews para a imprensa norte-americana; fizera a ‘anatomia
da revolução’ com Leo Huberman e Paul Sweezy; se impactara com a advertência do
celebrado cientista social Wright Mills aos seus compatriotas em Listen,Yankee (Ouça, Ianque): “... a voz de Cuba, hoje, é a voz do bloco de nações
famintas”.
Estava ali, emergindo de
uma campanha eleitoral no Brasil em que entre os grandes temas debatidos estavam
a concentração de renda, a reforma agrária, a defesa das reservas naturais do
país, a remessa de lucros pelas empresas estrangeiras, os altos índices de
analfabetismo, a fome desnudada por Josué de Castro, a relação desigual no
comércio internacional, a revolução cubana, visitada por um candidato – Jânio Quadros
– no alvorecer da campanha.
Os poucos dias anteriores
à viagem tinham sido dias de ansiedade, correndo atrás de um passaporte e
tratando de reunir pelo menos alguns dólares para os gastos extras. Quando
finalmente abordou o avião para fazer no Rio de Janeiro a conexão
Caracas-Havana, era como se já estivesse imerso em um sonho que se prolongaria
por 28 dias, continuado e coerente como não são os sonhos. Um dia de espera,
uma volta por Copacabana, uma passadinha pelo Hotel Trocadero para visitar
Tancredo Neves, de quem fora assessor de imprensa durante a frustrada campanha para
o governo estadual, apoiada pelas chamadas ‘forças progressistas’ de Minas. Um
toque na campainha, a porta abrindo-se, e lá estava Tancredo, meses depois
primeiro-ministro de João Goulart, vestindo um informal quimono, livro já pela
metade entre os dedos, interrompendo a sua própria viagem pela ilha com
Huberman e Sweezy para fazer também a sua ‘anatomia da revolução’.
Seguir-se-iam dias de
revelações sucessivas, ao lado de José Guilherme Mendes, Benito Barreto, Jamil Almansur
Haddad, Plínio de Abreu Ramos – companheiros de viagem – ou conhecendo o então
jovem deputado Almino Afonso, a quem o uniria uma amizade fraternal construída
ao longo dos anos de exílio no Chile e no Peru.
Muito do que ocorreu
naqueles dias estaria depois nas 16 páginas do suplemento especial do Binômio, redigidas sob emoção inspirada no
visto e no ouvido, Pés no chão, o jovem jornalista percebera por que Sartre lhe
dissera, naquela primeira viagem conjunta, que “falar aos brasileiros sobre a
ilha rebelde cubana era falar deles próprios”. Como compreenderia melhor ainda
alguns anos mais adiante, ao partir, após meses de prisão, para um exílio de
onze anos. Deixando para trás uma condenação pela justiça militar com base em
processo político apoiado principalmente em produtos de sua atividade
jornalística, entre eles aquele caderno especial sobre a revolução cubana...
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