30 novembro 2016

Os intelectuais

Simon Schwartzman

A pretensão dos intelectuais à superioridade moral e ao direito de dirigir a sociedade não é, certamente, algo que começa com Comte, nem mesmo com Platão. Um dos temas centrais dos estudos clássicos de Max Weber sobre as sociedades antigas da China, Índia e Palestina, é o jogo de poder entre os militares, que governam pela força, e os intelectuais, que tratam de governar através de sua autoridade moral. Historicamente, os intelectuais muitas vezes surgem como grupos especializados em assuntos religiosos. Como indica Weber, “a princípio o sacerdócio era a carreira mais importante do intelectualismo, particularmente onde existiam escrituras sagradas, que faziam com que os sacerdotes se transformassem em uma guilda literária, engajada na interpretação das escrituras e no ensino de seu conteúdo, sentido e aplicação”. Isso foi particularmente verdade, ainda de acordo com Weber, na Índia, Egito, Islã e para o cristianismo antigo e medieval; e menos na Grécia, Roma e China, lugares onde “o desenvolvimento do pensamento metafísico e ético ficou nas mãos de não-sacerdotes, tanto quanto o desenvolvimento da teologia”. Na China, o confucionismo foi uma doutrina desenvolvida pela burocracia dos mandarins, “com uma absoluta falta de sentimento de necessidade de salvação ou de qualquer ponto de apoio transcendental para a ética. Em seu lugar existe uma doutrina substantivamente oportunista e utilitária (ainda que esteticamente refinada) de convenções apropriadas a um grupo de status burocrático” [...]. Na Índia, os brâmanes desenvolveram uma religião secularizada que convinha à nobreza dominante da classe guerreira, mas puderam manter para a sua própria casta o controle dos rituais, procedimentos e normas de comportamento em que as classes dominantes eram educadas. Outras formas de religião – mais místicas e introspectivas, mágicas ou salvacionistas – desenvolveram-se quando as relações entre os setores políticos e religiosos se tornavam menos harmônicas. O budismo e o jansenismo são exemplos importantes de religiões salvacionistas que surgiram nas tradições chinesa e hindu, desenvolvidas dentro de grupos intelectuais e mais tarde espalhadas entre as massas. No judaísmo antigo, a desorganização do Estado e de seu sistema sacerdotal, após Salomão, parece ter dado condições para o surgimento de uma religião popular baseada em um movimento profético e em algo que Weber denomina “intelectualismo pária e pequeno-burguês”, com um forte conteúdo ético e salvacionista.
[...]

Fonte: Schwartzman, S. 1981. Ciência, universidade e ideologia. RJ, Zahar.

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