06 julho 2017

Choque do futuro

Samuel P. Huntington

A política mundial está entrando em uma nova fase, e os intelectuais não hesitam em oferecer uma profusão de visões de como ele será – o fim da História, o retorno das tradicionais rivalidades entre nações-Estado, o declínio da nação-Estado decorrente do conflito entre tribalismo e globalização, entre outras. Cada uma dessas visões capta apenas alguns aspectos da política global nos anos vindouros.

A fonte fundamental de conflito nesse novo mundo não será essencialmente ideológica nem econômica. As grandes divisões da humanidade e a fonte predominante de conflito serão de ordem cultural. As nações-Estado continuarão a ser os agentes mais poderosos nos acontecimentos globais, mas os principais conflitos ocorrerão entre nações e grupos de diferentes civilizações. O choque de civilizações dominará a política global. As linhas de cisão entre as civilizações serão as linhas de batalha do futuro.

O conflito entre civilizações caracterizará a mais recente fase da evolução dos conflitos no mundo moderno. Durante um século e meio após o aparecimento do moderno sistema internacional com a Paz de Vestefália, em 1648, os conflitos do mundo ocidental aconteceram em boa medida entre governantes – imperadores, monarcas absolutistas e monarcas constitucionalistas – que tentaram expandir seu corpo burocrático, Exército, poderio econômico mercantilista e, acima de tudo, o território sob seu domínio. Nesse processo, criaram as nações-Estado, e a partir da Revolução Francesa as principais linhas de conflito situaram-se entre nações e não entre governantes. Essa tendência, que marcou todo o século XIX, perdurou até o fim da I Guerra Mundial. Foi então, como resultado da Revolução Russa e da reação contra ela, que o conflito de nações deu lugar ao conflito de ideologias, primeiro entre o comunismo, o nazi-fascimo e a democracia liberal e a seguir entre o comunismo e a democracia liberal. Durante a Guerra Fria, este último conflito incorporou-se à luta entre as duas superpotências; nenhuma delas constituía uma nação-Estado no sentido europeu clássico, e cada qual definia sua identidade em termos da ideologia que professava.
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Fonte: Veja. 1993. Reflexões para o futuro. SP, Abril.

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