Choque do futuro
Samuel P. Huntington
A política mundial está
entrando em uma nova fase, e os intelectuais não hesitam em oferecer uma
profusão de visões de como ele será – o fim da História, o retorno das tradicionais
rivalidades entre nações-Estado, o declínio da nação-Estado decorrente do
conflito entre tribalismo e globalização, entre outras. Cada uma dessas visões
capta apenas alguns aspectos da política global nos anos vindouros.
A fonte fundamental de
conflito nesse novo mundo não será essencialmente ideológica nem econômica. As
grandes divisões da humanidade e a fonte predominante de conflito serão de ordem
cultural. As nações-Estado continuarão a ser os agentes mais poderosos nos
acontecimentos globais, mas os principais conflitos ocorrerão entre nações e
grupos de diferentes civilizações. O choque de civilizações dominará a política
global. As linhas de cisão entre as civilizações serão as linhas de batalha do
futuro.
O conflito entre civilizações
caracterizará a mais recente fase da evolução dos conflitos no mundo moderno.
Durante um século e meio após o aparecimento do moderno sistema internacional
com a Paz de Vestefália, em 1648, os conflitos do mundo ocidental aconteceram
em boa medida entre governantes – imperadores, monarcas absolutistas e monarcas
constitucionalistas – que tentaram expandir seu corpo burocrático, Exército,
poderio econômico mercantilista e, acima de tudo, o território sob seu domínio.
Nesse processo, criaram as nações-Estado, e a partir da Revolução Francesa as
principais linhas de conflito situaram-se entre nações e não entre governantes.
Essa tendência, que marcou todo o século XIX, perdurou até o fim da I Guerra
Mundial. Foi então, como resultado da Revolução Russa e da reação contra ela,
que o conflito de nações deu lugar ao conflito de ideologias, primeiro entre o
comunismo, o nazi-fascimo e a democracia liberal e a seguir entre o comunismo e
a democracia liberal. Durante a Guerra Fria, este último conflito incorporou-se
à luta entre as duas superpotências; nenhuma delas constituía uma nação-Estado no
sentido europeu clássico, e cada qual definia sua identidade em termos da
ideologia que professava.
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