Coleirinho
Luiz Gama
Assim o escravo agrilhoado canta.
Tíbulo
Canta, canta Coleirinho,
Canta, canta, o mal
quebranta;
Canta, afoga mágoa tanta
N’essa voz de dor
partida;
Chora, escravo, na gaiola
Terna esposa, o teu
filhinho,
Que, sem pai, no agreste
ninho,
Lá ficou sem ti, sem
vida.
Quando a roixa aurora
vinha
Manso e manso, além dos
montes,
De oiro orlando os
horizontes,
Matizando as crespas
vagas,
– Junto ao filho, à meiga
esposa
Docemente descantavas,
E na luz do sol banhavas
Finas penas – n’outras
plagas.
Hoje triste já não
trinas,
Como outr’ora nos
palmares;
Hoje, escravo, nos
solares
Não te embala a dulia
brisa;
Nem se casa aos teus
gorjeios
O gemer das gotas alvas
– Pelas negras rochas
calvas –
Da cascata que desliza.
Não te beija o filho
tenro,
Não te inspira a fonte
amena,
Nem da lua a luz serena
Vem teus ferros pratear.
Só de sombras carregado,
Da gaiola no poleiro
Vem o tredo cativeiro,
Mágoa e prantos acordar.
Canta, canta Coleirinho,
Canta, canta, o mal
quebranta;
Canta, afoga mágoa tanta
N’essa voz de dor
partida;
Chora, escravo, na gaiola
Terna esposa, o teu
filhinho,
Que sem pai, no agreste
ninho,
Lá ficou sem ti, sem
vida.
Fonte (primeira estrofe, versos
5-8): Ferreira, S. 2017. Luiz Gama e a
identidade negra na literatura. Juiz de Fora, Edição do autor. [No prelo.]
Poema publicado em livro em 1861.
0 Comentários:
Postar um comentário
<< Home