15 agosto 2017

Coleirinho

Luiz Gama

Assim o escravo agrilhoado canta.
Tíbulo

Canta, canta Coleirinho,
Canta, canta, o mal quebranta;
Canta, afoga mágoa tanta
N’essa voz de dor partida;
Chora, escravo, na gaiola
Terna esposa, o teu filhinho,
Que, sem pai, no agreste ninho,
Lá ficou sem ti, sem vida.

Quando a roixa aurora vinha
Manso e manso, além dos montes,
De oiro orlando os horizontes,
Matizando as crespas vagas,
– Junto ao filho, à meiga esposa
Docemente descantavas,
E na luz do sol banhavas
Finas penas – n’outras plagas.

Hoje triste já não trinas,
Como outr’ora nos palmares;
Hoje, escravo, nos solares
Não te embala a dulia brisa;
Nem se casa aos teus gorjeios
O gemer das gotas alvas
– Pelas negras rochas calvas –
Da cascata que desliza.

Não te beija o filho tenro,
Não te inspira a fonte amena,
Nem da lua a luz serena
Vem teus ferros pratear.
Só de sombras carregado,
Da gaiola no poleiro
Vem o tredo cativeiro,
Mágoa e prantos acordar.

Canta, canta Coleirinho,
Canta, canta, o mal quebranta;
Canta, afoga mágoa tanta
N’essa voz de dor partida;
Chora, escravo, na gaiola
Terna esposa, o teu filhinho,
Que sem pai, no agreste ninho,
Lá ficou sem ti, sem vida.

Fonte (primeira estrofe, versos 5-8): Ferreira, S. 2017. Luiz Gama e a identidade negra na literatura. Juiz de Fora, Edição do autor. [No prelo.] Poema publicado em livro em 1861.

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