Ormuz
Miguel de Cours Magalhães
O glorioso sultão de Omã,
Bin Saif Ya’rubi, ordena-me que passe ao papel toda a história da vida do
famoso Rui Freire de Andrade, de terrível memória e do qual fui escravo e
escudeiro entre os anos que os cristãos contam de 1610 a 1634, ou, se
preferirem, entre os anos de 988 e 1012 da Héjira.
Por esse tempo estive eu
sempre com ele. As minhas memórias desses anos são iguais às dele. Fui a sua
sombra quando foi capitão na Índia e capitão geral dos estreitos. Sei de cor os
seus movimentos, tudo o que fez, viu e sentiu. Lia-lhe os estados de alma como
um livro aberto, já que o acompanhei durante tantos e tão longos anos. Pode o
leitor estar seguro que tudo o que eu disser corresponde ao que se passou até
ao mais ínfimo pormenor. Pensará que entre nós não houve a intimidade
suficiente, sendo ele meu amo e eu um simples escravo. Puro engano. Muito
depressa tivemos intimidade e confiança que vão para além da fraternidade. De
resto, garanto que tudo o que narrar vivi; e, se me equivoquei, certamente que
não enganarei a si, contando-o.
[...]
Fonte: Magalhães, M. C.
2008. Ormuz. SP, Landscape.
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