10 setembro 2017

Ormuz

Miguel de Cours Magalhães

O glorioso sultão de Omã, Bin Saif Ya’rubi, ordena-me que passe ao papel toda a história da vida do famoso Rui Freire de Andrade, de terrível memória e do qual fui escravo e escudeiro entre os anos que os cristãos contam de 1610 a 1634, ou, se preferirem, entre os anos de 988 e 1012 da Héjira.

Por esse tempo estive eu sempre com ele. As minhas memórias desses anos são iguais às dele. Fui a sua sombra quando foi capitão na Índia e capitão geral dos estreitos. Sei de cor os seus movimentos, tudo o que fez, viu e sentiu. Lia-lhe os estados de alma como um livro aberto, já que o acompanhei durante tantos e tão longos anos. Pode o leitor estar seguro que tudo o que eu disser corresponde ao que se passou até ao mais ínfimo pormenor. Pensará que entre nós não houve a intimidade suficiente, sendo ele meu amo e eu um simples escravo. Puro engano. Muito depressa tivemos intimidade e confiança que vão para além da fraternidade. De resto, garanto que tudo o que narrar vivi; e, se me equivoquei, certamente que não enganarei a si, contando-o.
[...]

Fonte: Magalhães, M. C. 2008. Ormuz. SP, Landscape.

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