O ciclo de vida das teorias
Um dos comentários equivocados mais comuns a respeito da evolução
diz mais ou menos o seguinte: “O problema é que se trata apenas e tão somente
de uma teoria”. É um duplo equívoco. Primeiro, porque ignora o que sejam
teorias e o papel que as teorias têm na ciência; além disso, as trata como se
fossem caraminholas que vagueiam soltas por aí, desvinculadas da realidade.
Antes de tudo, deveríamos observar que teorias científicas não são opiniões
pessoais nem engenhocas que brotam do nada. Melhor pensar nelas como uma trama
articulada de ideias. A elaboração e, sobretudo, o refinamento de uma
teoria é um processo histórico que se estende por gerações. E mais: o
chamado progresso científico decorre mais do refinamento de teorias, do
que de novos equipamentos ou do acúmulo de dados.
O refinamento costuma envolver a substituição de partes de uma
teoria que não mais funcionam (e.g., modelos ou subteorias auxiliares). Pense
em alguma teoria ou em algum modelo – e.g., teoria da gravitação ou o modelo
geofísico segundo o qual o núcleo da Terra seria uma esfera sólida de ferro.
Como representação do mundo, essas ideias sobrevivem enquanto (i) são
condizentes com outras teorias ou modelos em vigor; e (ii) explicam de modo
satisfatório os resultados que obtemos no dia a dia.
Às vezes, porém, as explicações se tornam inadequadas ou inconsistentes.
Quando isso ocorre, a suspeita inicial recai sobre os resultados, que passam a
ser vistos como ruins ou anômalos. Se os resultados ruins continuam a
aparecer, instala-se uma crise. Percebemos isso quando as teorias até
então hegemônicas e incontestáveis passam a ser criticadas abertamente – o status quo delas é questionado. Chega
uma hora em que os cientistas se dão conta de que os problemas não estão nos
dados. Visto que as anomalias não decorrem de problemas metodológicos ou de outro
tipo de distorção, a crise se aprofunda. O impasse às vezes resulta naquilo que
alguns filósofos e historiados da ciência chamam de revolução – a teoria
em crise é abandonada e uma nova ganha fôlego, atraindo mais e mais adeptos.
Todavia, como os cientistas não trabalham sem um pano de fundo teórico,
eles não abandonarão as ideias antigas, mesmo admitindo que elas são
problemáticas, sem que antes surja no horizonte ao menos um esboço de alguma
ideia alternativa. A teoria substituta deverá ser capaz de lidar com as
anomalias. Finalizada a ruptura e restaurada a normalidade, os
resultados até então vistos como anômalos passam a ser tratados como exemplares.
Assim, o que antes ficava escondido debaixo do tapete, vai agora servir para
educar as novas gerações.
Fonte: o artigo integra o livro O
que é darwinismo (no prelo), cujo lançamento deve ocorrer ainda no primeiro
semestre de 2018.
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