Dos ilustres assassinos
Cecília Meireles
Ó grandes oportunistas,
sobre o papel debruçados,
que calculais mundo e vida
em contos, doblas, cruzados,
que traçais vastas rubricas
e sinais entrelaçados,
com altas penas esguias
embebidas em pecados!
Ó personagens solenes
que arrastais os apelidos
como pavões auriverdes
seus rutilantes vestidos,
– todo esse poder que tendes
confunde os vossos sentidos:
a glória, que amais, é desses
que por vós são perseguidos.
Levantai-vos dessas mesas,
saí de vossas molduras,
vede que masmorras negras,
que fortalezas seguras,
que duro peso de
algemas,
que profundas sepulturas
nascidas de vossas penas,
de vossas assinaturas!
Considerai no mistério
dos humanos desatinos,
e no polo sempre incerto
dos homens e dos destinos!
Por sentenças, por decretos,
pareceríeis divinos:
e hoje sois, no tempo eterno,
como ilustres assassinos.
Ó soberbos titulares,
tão desdenhosos e altivos!
Por fictícia austeridade,
vãs razões, falsos motivos,
inutilmente matastes:
– vossos mortos são mais vivos;
e, sobre vós, de longe, abrem
grandes olhos pensativos.
Fonte: Bosi, A. 2013. História concisa da literatura brasileira, 49ª ed. SP, Cultrix. Poema corresponde ao
Romance LXXXI do Romanceiro da
Inconfidência (1945).
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