15 novembro 2018

A era da ignorância

Charles Simic

Ignorância generalizada, beirando a idiotice, é a nossa nova meta nacional. Não adianta fingir o contrário e nos dizer, como Thomas Friedman o fez no Times, alguns dias atrás, que as pessoas educadas são os recursos mais valiosos da nação. Elas o são, claro, mas nós ainda as queremos? Não me parece que sim. O cidadão ideal de um estado politicamente corrupto, como o que nós temos agora, é um tolo ingênuo incapaz de diferenciar a verdade da lorota.

Uma população educada e bem-informada, o tipo que uma democracia necessita para funcionar, seria difícil de enganar e não poderia ser dominada completamente pelos diversos capitais aplicados que atacam às cegas neste país. A maioria dos lobistas e dos nossos políticos e seus assessores perderiam o emprego, assim como os tagarelas que se fazem passar por nossos formadores de opinião. Felizmente para eles, nada tão catastrófico, ainda que perfeitamente merecido e amplamente bem-vindo, tem qualquer probabilidade de ocorrer em futuro próximo. Para início de conversa, há mais dinheiro a ser tirado do ignorante do que do ilustrado e enganar os estadunidenses é uma das poucas indústrias domésticas que ainda crescem neste país. Uma população verdadeiramente educada seria ruim, tanto para os políticos como para os negócios.

Foram necessários anos de indiferença e estupidez até nos tornarmos tão ignorantes como somos atualmente. Qualquer um que tenha lecionado em uma faculdade ao longo dos últimos 40 anos, como é o meu caso, pode lhe dizer o quão menos sabem os estudantes que saem do ensino médio a cada ano. No início foi um susto; porém, não é mais nenhuma novidade para qualquer professor auxiliar que os simpáticos e ansiosos jovens matriculados em suas turmas não conseguem apreender a maior parte do material que está sendo ensinado. Ensinar literatura estadunidense, como eu tenho feito, tornou-se mais e mais difícil nos últimos anos, visto que os alunos leem pouca literatura antes de entrar na faculdade, carecendo muitas vezes da informação histórica mais básica a respeito do período em que o romance ou o poema foi escrito, incluindo as questões e as ideias mais importantes que ocuparam as mentes pensantes da época.

Mesmo a história regional tem sido tratada sumariamente. Estudantes que vêm de antigas cidades fabris da Nova Inglaterra, como eu descobri, nunca ouviram falar das famosas greves em suas comunidades, durante as quais trabalhadores foram mortos a sangue frio e os autores escaparam impunes. Não me surpreendi que as escolas de ensino médio evitassem o assunto; mas me admira que pais e avós, e qualquer outro com quem eles tenham tido contato durante a infância, nunca mencionassem esses grandes exemplos de injustiça. Ou as famílias nunca falavam a respeito do passado ou, quando o faziam, os filhos não estavam prestando atenção. O que quer que tenha acontecido, a gente está diante do problema de como remediar a vasta ignorância deles a respeito de coisas com as quais já deveriam estar familiarizados, como as gerações anteriores de estudantes estavam.

Ainda que essa falta de conhecimento seja o resultado de anos de apatetamento do currículo do ensino médio e de famílias que não falam com as suas crianças a respeito do passado, há outro tipo de ignorância, ainda mais pernicioso, com o qual nos defrontamos hoje em dia. É o produto de anos de polarização ideológica e política e de esforços deliberados, nesse conflito para produzir mais ignorância, por parte dos partidos mais fanáticos e intolerantes, mentindo a respeito de muitos aspectos de nossa história e mesmo do nosso passado recente. Lembro de ter ficado estupefato, alguns anos atrás, ao ler que, em uma pesquisa de opinião, a maioria dos estadunidenses afirmou que Saddam Hussein estava por trás dos ataques terroristas de 11 de setembro. Isso me bateu como uma proeza da propaganda, algo sem paralelo nos piores regimes autoritários do passado — muitos dos quais tiveram de recorrer a campos de trabalho e pelotões de fuzilamento para obrigar o povo a acreditar em uma inverdade, sem o mesmo sucesso.

Sem dúvida, a internet e a TV a cabo permitem que diferentes interesses políticos e corporativos espalhem a desinformação em uma escala que não era possível antes, mas acreditar nisso exige uma população mal-educada, desacostumada a verificar as coisas que estão sendo ditas. Onde mais na Terra um presidente que salvou os grandes bancos da falência, com dinheiro dos contribuintes, deixando que o resto de nós perdesse 12 trilhões de dólares em investimentos, aposentadoria e valores imobiliários, seria chamado de socialista?

No passado, se alguém não sabia nada e falava besteira, ninguém prestava atenção a ele. Agora não. Agora essa gente é cortejada e exaltada por políticos e ideólogos conservadores como sendo os ‘Verdadeiros Estadunidenses’, defendendo o seu país contra o Estado e as elites liberais educadas. A imprensa os entrevista e reporta as suas opiniões seriamente, sem apontar a imbecilidade daquilo em que eles acreditam. Os agentes de publicidade, que os manipulam a favor de poderosos interesses financeiros, sabem que eles podem ser convencidos de qualquer coisa, pois, aos ignorantes e intolerantes, as mentiras sempre soam melhor que a verdade:

   Os cristãos são perseguidos neste país.
   O Estado vem pegar as suas armas.
   Obama é muçulmano.
   O aquecimento global é uma farsa.
   O presidente está forçando a homossexualidade assumida nas Forças Armadas.
   As escolas passam uma agenda de esquerda.
   O seguro social é um direito subjetivo, igual ao bem-estar.
   Obama odeia os brancos.
   A vida na Terra tem 10 mil anos de idade, assim como o Universo.
   Os programas sociais contribuem para a pobreza.
   O Estado está pegando o seu dinheiro e dando a universitárias taradas, pagando para que elas não engravidem.

Poderíamos facilmente listar muitos outros desses delírios banais em que os estadunidenses acreditam. Eles são mantidos em circulação por centenas de políticos de direita e pela mídia religiosa, cuja função é fabricar uma realidade alternativa para os seus telespectadores e os seus ouvintes. “A estupidez às vezes é a maior das forças históricas”, disse Sidney Hook em certa ocasião. Sem dúvida. O que temos neste país é a rebelião das mentes obtusas contra o intelecto. É por isso que eles amam políticos que se zangam com professores doutrinando crianças contra os valores de seus pais e se ressentem daqueles que mostram capacidade de pensar a sério e de modo independente. A despeito de suas bravatas, esses tolos sempre podem votar contra os seus próprios interesses. E isto, no que me diz respeito, é a razão de milhões estarem sendo gastos para manter meus concidadãos ignorantes.

Nota

Charles [Dušan] Simic [Simić] (nascido em 1936). O artigo original, ‘Age of ignorance’, foi publicado no The New York Review of Books, em 20/3/2012. A tradução é de Felipe A. P. L. Costa, autor de O evolucionista voador & outros inventores da biologia moderna (2017).

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