10 novembro 2018

Exílio na Ilha Grande

André Torres

Depois que exterminaram meu grupo, diminuíram as fugas armadas nos cárceres do Rio. Os jovens não são hoje tão rebeldes como éramos, falta-lhes a ousadia de organizar, de fazer, de criar. Só existe realidade na ação. Uma coisa gera outra e assim sucessivamente. É preciso ter criatividade para desenvolver um fato ou um trabalho qualquer, e tudo requer logística e forças auxiliares. Não existe mais romantismo que faça o homem perder a própria vida em troca de um gesto, de um sorriso, de uma emoção. Os jovens não dão importância aos gestos simples que nos fazem viver intensamente todos os momentos de nossa vida, de nossa alma. Nos momentos de tristeza ou de felicidade, temos [de] usufruir as emoções provocadas por tudo que surge em nossa frente. Cada um se sensibiliza conforme sua capacidade de sensibilizar-se. Não sei se é preciso fugir da Ilha Grande, ser amigo de Jessie Jane, curtir Caetano, etc., para ter sensibilidade e opinião própria na vida. Acho que vale mais curtir o que nos agrada do que ficar de conversa fiada com o grupo da esquina. Nem por isto devemos renegar o grupo, pois em cada encontro com as pessoas adquirimos novos conhecimentos e isso nos enriquece aos poucos e pode nos levar inesperadamente para caminhos que pretendíamos ou não percorrer.

Fonte: Torres, A. 1979. Exílio na Ilha Grande. Petrópolis, Vozes.

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