23 fevereiro 2019

Geração espontânea

Wilhelm von Drigalski

Pasteur era então decano da Faculdade de Ciências de Lille [França] e se interessava pelas numerosas destilarias da região. Um dia de outono de 1856, um cervejeiro lhe pede que procure saber o que podia estragar as fermentações do suco de beterraba. Ele estuda então o levedo no microscópio, discernindo logo isto: os glóbulos de fermentação sã continuam redondos e regulares, ao passo que, no líquido anormal, esses glóbulos se mostram alterados aparecendo também bastonetes alongados... Suas opiniões encontram-se assim inteiramente justificadas. A fermentação parece mesmo devida, como ele o supunha, a um microrganismo; e quando os destiladores se queixam que “isto fermenta mal”, é porque intervém outro organismo microscópico, produtor do ácido lático. Para estudar uma fermentação, é preciso preparar um meio fermentável isento de todo ser vivo – o que se obtém facilmente com a ebulição. Semeia-se em seguida nesse meio um fermento ‘puro’, isto é, que não contenha nenhum ser estranho à espécie microscópica estudada.

O estudo da fermentação butírica vai conduzi-lo em seguida a precisar a ação de fermentos vivos. [...]

Vai-se desde então poder compreender o processo segundo o qual se destroem após a morte as substâncias animais e vegetais. São micro-organismos que asseguram o retorno perpétuo ao ar e ao mundo mineral dos princípios que os vegetais lhes tomaram. Sobre todo ser que acaba de morrer, isto é, onde ele se encontre em contato com o ar, os micro-organismos aeróbios se põem a proliferar operando uma combustão lenta enquanto que os anaeróbios, no seio da massa orgânica, provocam a putrefação. Assim, por este duplo trabalho de combustão e de fermentação lentas, a substância animal ou vegetal acaba, decomposta, por desaparecer; assim, lei inevitável, a vida preside a obra da morte.

Esses estudos levaram Pasteur aos referentes à geração espontânea, questão tão espinhosa que seus mestres Biot e Dumas havia tentado desviá-lo, um deles exclamando: “Você não sairá dela!” e outro pronunciando: “Eu não aconselharia a ninguém permanecer muito tempo em semelhante estudo...” Mas Pasteur continuou, replicando: “Eu me entrego com prazer a estes estudos de fermentação, que têm um grande interesse por sua ligação com o impenetrável mistério da vida e da morte. Espero dar neles logo um passo decisivo, resolvendo sem a menor confusão, a questão célebre da geração espontânea. Já poderia intervir, mas quero prosseguir ainda minhas experiências. Há tanta paixão e obscuridade de uma parte e de outra que será necessária nada menos que a clareza de um raciocínio aritmético para convencer os adversários de minhas conclusões. Eu tenho a pretensão de chegar lá.”

Fonte: von Drigalski, W. 1964 [1951]. O homem contra os micróbios. BH, Itatiaia. (A edição brasileira é uma tradução da versão francesa [1955], a qual contou com a participação de Fernand Lot [1902-1986].)

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