31 março 2020

Balanço momentâneo (30-31/3)


As estatísticas de vários países (Brasil incluído) a respeito da pandemia da Covid-19 (provocada pelo vírus SARS-CoV-2) são inconfiáveis [1]. Em termos científicos e, sobretudo, em termos de saúde pública, é uma situação constrangedora e muito lamentável. (E que pode ter consequências desastrosas.)

Dito isto, vejamos.

De ontem para hoje (30-31/3), um brevíssimo resumo das estatísticas mundiais seria o seguinte [2]:

(A) Os 20 países mais afetados (Brasil incluído) [3] concentram 91% dos casos (de um total de 786.228) e 96% das mortes (de um total de 37.820) [4]. Os números continuam a escalar rapidamente, ainda que em alguns países as taxas já sejam decrescentes [5]. Em escala global, isso indica que estamos longe do topo da curva que a pandemia está a descrever. (Ou que talvez sequer tenhamos ultrapassado o ponto de inflexão da curva.)

(B) Nesses 20 países, a taxa média de mortalidade está em torno 5% – i.e., em média, de cada grupo de 20 indivíduos infectados, um deles vai a óbito. Itália (11,4%) e Espanha (8,8%) puxam a média para cima. Israel, Austrália, Noruega e Alemanha (todos com menos de 1%) puxam a média para baixo.

(C) Nesses 20 países, a julgar pelos números divulgados, quase 161 mil indivíduos já teriam recebido alta, o que corresponderia a pouco mais de 22% dos infectados. China (93%), Coreia do Sul (55%) e Irá (34%) lideram as estatísticas da recuperação.

Distanciamento social

O que se passa hoje em muitos países do mundo não é nenhuma fatalidade. Nem é castigo divino. É fruto de decisões políticas equivocadas tomadas em passado recente.

Veja o caso da Itália. Na segunda quinzena de fevereiro, tendo então contabilizado 17 mortos (de um total de pouco mais de 600 infectados), o governo italiano resolver suspender as medidas de isolamento social. O motivo alegado era proteger a frágil economia do país. Em maior ou menor grau, outros países que hoje lideram as estatísticas cometeram erros semelhantes.

Diante da escalada dos números e de tudo o que estamos a aprender rapidamente a respeito do novo coronavírus (em termos ecológicos, fisiológicos etc.), muitos governantes já se dobraram às evidências: adotar o distanciamento social é uma medida eficaz de combate à pandemia. Pode parecer uma medida exagerada ou extrema, mas é uma medida absolutamente necessária, ao menos por enquanto.

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Notas

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] Os colegas epidemiologistas que trabalham para o governo federal que me perdoem, mas desde o discurso do presidente da República em cadeia de rádio e TV (24/3), sou de opinião que um véu opaco passou a envolver o ministério da Saúde. Além disso, ao que parece, há muita improvisação ou mesmo carência de pessoal técnico mais bem preparado. Veja, por exemplo, o relatório a respeito da pandemia que a Abin teria entregue ao presidente. (Estou a me referir ao material que foi disponibilizado na matéria ‘Abin fala em 5,5 mil mortes em 15 dias enquanto Bolsonaro chama coronavírus de histeria’, publicada pelo The Intercept Brasil, em 24/3 – aqui. Uma bricolagem. E que me fez pensar em certas apostilas escritas por jovens professores universitários.) O fato é que os números divulgados pelos governantes (sobretudo na esfera federal) devem ser vistos com desconfiança. E os jornalistas, sempre que possível, deveriam consultar fontes complementares. De resto, ainda há muita informação desencontrada – e.g., ver a matéria ‘Na Europa, critério para calcular mortes por Covid-19 varia conforme país (e nenhum está certo)’, publicada pelo El País, em 30/3 (aqui).

[2] Fonte dos dados: painel Mapping 2019-nCov, da Universidade Johns Hopkins (EUA).

[3] Em número de casos, os 20 países são Estados Unidos, Itália, Espanha, China, Alemanha, França, Irã, Reino Unido, Suíça, Países Baixos, Bélgica, Turquia, Coreia do Sul, Áustria, Canadá, Portugal, Israel, Brasil, Austrália e Noruega.

[4] Os números de hoje (31) à tarde indicam que já ultrapassamos os 826 mil casos e as 40 mil mortes, mas a computação que estou a fazer toma os dados divulgados durante a noite (horário de Brasília).

[5] Sobre padrões de crescimento numérico, ver as duas primeiras partes do artigo ‘Corpos, gentes, epidemias e... dívidas’ (abaixo ou então aqui e aqui).

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