11 abril 2020

No ritmo atual, o país terá entre 6,5 e 21 mil mortes até 30/4



Propósito. Este artigo oferece uma análise da situação da pandemia da Covid-19 no âmbito exclusivo do nosso país. Resumo. Para avaliar a disseminação em curso da Covid-19 em escala nacional, eu calculei uma taxa de crescimento diário no número de brasileiros infectados com o SARS-CoV-2. A distribuição dos resultados descreve uma curva oscilante, ainda que a altura das oscilações esteja a se estreitar. Em condições normais, este padrão poderia ser interpretado como um abrandamento no número de novas infecções e, por extensão, no número de mortes. Mas não vivemos em tempos normais. Ainda assim, no entanto, uma interpretação otimista dos resultados me leva a fazer duas projeções. De hoje (11) até o próximo dia 30 de abril, a depender da manutenção de medidas efetivas de distanciamento social, as estatísticas nacionais deverão totalizar entre 122 e 397 mil casos e entre 6,5 e 21 mil mortesImplicações. São números assustadores, mas repito: são projeções otimistas. O boicote às medidas de distanciamento social – boicote esse promovido por quem deveria estar hoje na linha de frente da luta contra a pandemia, em vez de estar escondido debaixo da cama (ou trancado dentro do banheiro) –, pode catapultar o crescimento dos números para um patamar ainda mais elevado. Além de um sem número de vidas irreparavelmente destruídas, um crescimento ainda mais acelerado implicaria em gastos e esforços ainda mais elevados. Não seria exagero afirmar que o que está em jogo hoje não é a mera sobrevivência dos mercados, mas a sobrevivência da própria sociedade brasileira.

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1. Situando o problema.

Em dois artigos anteriores, ambos publicados no Jornal GGN (‘Covid 19: Evidências iniciais de que a pandemia está arrefecendo’ e ‘Covid-19 – Nós batemos no teto?’), eu chamei a atenção para certos aspectos do comportamento da pandemia da Covid-19 em escala global.

Houve quem estranhasse que os artigos estivessem a anunciar os ‘estertores da pandemia’ (alguns leitores chegaram a escrever comentários), ao mesmo tempo em que os números de casos e de mortes em nosso país seguem escalando.

Talvez eu não tenha sido suficientemente claro ou enfático. (E peço desde já desculpas por qualquer mal-entendido.) Mas o fato é o seguinte: As afirmações contidas naqueles dois artigos, notadamente a conclusão de que a pandemia estaria perdendo força, têm como alvo o mundo inteiro – i.e., o conjunto de países cujos dados (precisos ou imprecisos, exatos ou inexatos, parciais ou completos) serviram de base para as análises feitas por mim. Significa dizer também que as conclusões apresentadas naqueles dois artigos não podem ser aplicadas ou transpostas mecanicamente para esse ou aquele subconjunto particular de dados (e.g., países ou estados).

Dito isso, caberia agora dizer que o presente artigo tem como alvo exclusivo de sua análise a situação da pandemia da Covid-19 em território brasileiro.

2. Calculando uma taxa de crescimento.

Estou acompanhando as estatísticas da Covid-19 por meio de dois painéis, um da Universidade Johns Hopkins e o outro do sítio eletrônico Worldometer [1]. Embora os resultados reportados aqui sejam baseados nos totais diários obtidos no último, as conclusões da minha análise seriam essencialmente as mesmas, caso eu tivesse usado os dados do primeiro.

Para avaliar a disseminação da Covid-19 em escala nacional, eu calculei uma taxa de crescimento diário no número de brasileiros infectados com o SARS-CoV-2, entre 21/3 (quando o número de infectados chegou a 1 mil) e 10/4 (quando o número de mortes chegou a 1 mil). Esta taxa (β) foi definida como β = ln [Y(t + 1) / Y(t)], onde Y(t + 1) é o número de indivíduos infectados no dia (t + 1), Y(t) é o número de infectados no dia anterior, e ln indica logaritmo natural.

Quando os valores de β assim obtidos são colocados em um gráfico (ver a figura que acompanha este artigo), dois agregados de pontos podem ser identificados: (i) Entre 21 e 30 de março, intervalo durante o qual a taxa de crescimento declinou desde β = 0,2718 (22) até β = 0,0842 (30); e (ii) Entre 31 de março e 6 de abril, quando a taxa de crescimento, após uma inesperada e significativa escalada (30-31/3), tornou a declinar, dessa vez desde β = 0,2109 (31) até β = 0,0793 (6).

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FIGURA. A figura que acompanha este artigo documenta a variação na taxa de crescimento diário no número de infectados na população brasileira (eixo vertical; β expresso em porcentagem [2]), entre 21 de março e 10 de abril de 2020. Dois agregados de pontos estão indicados (A e B) e um terceiro parece estar em formação (C). Em alaranjado, os resultados de março; em verde, os de abril. Os valores de β que foram usados nas projeções (ver texto) estão indicados por uma seta. (A linha entre os pontos é a média móvel.)

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3. A taxa de crescimento está a oscilar.

De acordo com os resultados, a curva que a pandemia está a descrever é oscilante – ora declina, ora ascende. Duas ‘ondas’ [3] já teriam sido completadas (os agregados A e B na figura) e uma terceira parece estar em formação (C, na figura). As estatísticas dos próximos dias nos dirão se tal prognóstico é acertado ou não.

Uma avaliação otimista da situação nos levaria a supor que os valores de β não tornarão a subir. Vamos admitir então que esse valor permaneça dentro dos limites do agregado que está a se formar (C, na figura) [4]. Em termos percentuais, os valores extremos nesse agregado seriam os seguintes: um máximo de 15,3% (8/4) e um mínimo de 9,1% (10/4).

Se as medidas de distanciamento social tivessem sido adotadas de modo efetivo, como parece ter ocorrido na Argentina [5], o valor de β seguramente já estaria em um patamar inferior a 9,1%. Mas não estamos na Argentina. De modo que, seguindo na linha de raciocínio do parágrafo anterior, vou usar aqueles dois valores extremos para fazer duas projeções a respeito do total de casos e de mortes no país até o fim de abril. Vejamos.

Uma projeção para o valor mínimo. A uma taxa de crescimento de 9,1% ao dia, o total de casos no país deverá chegar a 122.300 até o dia 30 de abril. Este resultado implicaria em 6.482 mortes, admitindo que a taxa de letalidade pare de subir e permaneça nos atuais 5,3%.

Uma projeção para o valor máximo. A uma taxa de crescimento de 15,3% ao dia, o total de casos deverá chegar a 396.890 até o dia 30 de abril. Este resultado implicaria em ao menos 21.035 mortes (mesma taxa de letalidade de antes).

4. Distanciamento: A melhor arma contra a pandemia.

Não há dúvidas de que as estatísticas a respeito da pandemia da Covid-19 devem ser vistas com cautela. E há mais de uma razão para ser cauteloso. Uma delas: autoridades de diferentes estados (ou mesmo de diferentes cidades de um mesmo estado!) nem sempre adotam o mesmo critério para calcular as mortes causadas pela Covid-19. Outro problema seria o seguinte: algumas autoridades, em diferentes níveis de governo (federal, estadual, municipal), podem deliberadamente omitir ou manipular os dados.

Apesar das restrições, sou de opinião que as oscilações para baixo na taxa de crescimento sugerem que a luta contra a pandemia (e.g., adotando o distanciamento social) pode ser uma luta vitoriosa. O distanciamento social (a rigor, trata-se de distanciamento espacial) tem dado certo em todos os lugares em que foi adotado. E eu penso que a figura que acompanha este artigo expressa, ao menos em parte, o impacto positivo que tal procedimento já teve entre nós.

Boicotar o distanciamento (como o Palácio do Planalto insiste em fazer, quase que diariamente) ou interrompê-lo cedo demais (como o governador de Minas Gerais, por exemplo, já anunciou que pretende fazer) pode ter consequências terríveis – e.g., nós podemos nos deparar de novo com uma escalada acelerada no número de casos e, por extensão, no número de mortes.

E isso não é pura imaginação. Considere o que pode ocorrer se a taxa de crescimento subir de patamar. Mais especificamente, imagine que β torne a igualar o patamar que alcançou em 31/3 (início do agregado B, na figura), quando chegou a quase 23,5%. A uma taxa de crescimento de 23,5% ao dia, as projeções para 30 de abril seriam ainda mais tenebrosas: o número de casos chegaria a 1.658.651 e o de mortes, a 87.908.

5. Coda.

A inércia e a anarquia que têm caracterizado vários setores do governo federal podem facilmente transformar um acidente em uma tragédia de proporções gigantescas. E as coisas podem sair do controle. Como saíram em 1974, durante a epidemia de meningite que varreu o país [6]. Naquela ocasião, a ditadura militar contou com a ajuda de técnicos estrangeiros. Hoje em dia, está todo muito ocupado com a pandemia em suas próprias aldeias. Portanto, à exceção de cubanos e chineses, dificilmente alguém viria atender um pedido de socorro do governo federal.

Brasileiros continuarão a morrer, vítimas da Covid-19. Nenhuma fada madrinha vai suspender o pesadelo que nos envolve a todos. Nem se esperam milagres. O que se espera é que músculos e neurônios trabalhem juntos para minimizar as perdas. Sobretudo as perdas de vidas humanas. As mortes precoces. As mortes que poderiam ser evitadas e que nós não estamos conseguindo evitar.

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Notas.

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Fontes: ‘Mapping 2019-nCov’ (Johns Hopkins University, EUA) e ‘Worldometer: Coronavirus’ (Dadax, EUA).

[2] O valor de β obtido pela equação ln [Y(t + 1) / Y(t)] foi convertido em uma taxa percentual por meio da fórmula (eβ – 1) x 100.

[3] Há quem argumente que as ‘ondas’ já seriam a expressão dos desencontros entre os governantes – e.g., entre os que defendem a adoção de algum tipo de distanciamento social e os que são contra. Os reencontros da população tornam a promover a disseminação acelerada do vírus e, por extensão, a elevação no valor de β.

[4] O valor mais baixo de β mostrado na figura foi de 8,2% (6/4). Neste ritmo, o total de casos chegaria a 104.669 e o de mortes, a 5.547.

[5] Ver matéria ‘Argentina leva ‘fica em casa’ a sério e tem ‘resultados notáveis’ contra o coronavírus’, de Gabriel Valery, publicada na Rede Brasil Atual, em 9/4.

[6] Sobre epidemias em geral, incluindo a epidemia de meningite de 1974, ver A próxima peste – As novas doenças de um mundo em desequilíbrio (Nova Fronteira, 1995), de Laurie Garrett.

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