02 abril 2020

Evidências iniciais de que a pandemia está arrefecendo



As estatísticas mundiais a respeito da pandemia da Covid-19 (provocada pelo SARS-CoV-2) não são todas igualmente confiáveis. Alguns governos são displicentes ou estão deliberadamente omitindo ou manipulando os números. É uma situação preocupante e que pode ter consequências desastrosas, tanto em termos científicos como em termos de saúde pública. Vale lembrar que modelos construídos com base em dados distorcidos costumam gerar previsões equivocadas. E tais equívocos podem resultar em riscos desnecessários à saúde e ao bem-estar da população.

Tenho acompanhado as estatísticas mundiais a respeito da Covid-19 por meio de um painel da Universidade Johns Hopkins [1]. Mais recentemente, passei a cotejar os números ali presentes com os dados divulgados pelo sítio Worldometer [2]. Há uma pequena defasagem (cronológica, talvez) entre os dois. De resto, eu não notei qualquer distorção sistemática nas estatísticas.

Analisei separadamente os dados encontrados nos dois painéis, ainda que os resultados aqui reportados se refiram tão somente aos números obtidos no painel do Worldometer. Caso eu tivesse me apoiado nos dados da UJH, as conclusões seriam essencialmente as mesmas.

SARS-CoV-2.

O novo coronavírus (SARS-CoV-2) que emergiu em Wuhan, no fim de 2019, rapidamente se espalhou por todas as províncias chinesas. O número de infectados em todo o mundo vem escalando desde o início de 2020. E o problema logo adquiriu contornos mundiais. Em 1/3, tínhamos 6.567 casos fora da China, em 58 países de diferentes continentes. Em 11/3, a OMS classificou a Covid-19 – até então uma emergência mundial – como uma pandemia.

Embora a disseminação do SARS-Cov-2 seja hoje uma preocupação planetária, há uma nítida concentração nas estatísticas, tanto no número de casos como no número de mortes. Os 20 países mais afetados concentram 91% dos casos (de um total de 859.796) e 96% das mortes (de um total de 42.345) [3]. A taxa de letalidade nesses países está em torno de 5,2% [4].

Para investigar o avanço da Covid-19, eu calculei uma taxa de crescimento diário no número de indivíduos infectados ao longo do mês de março. Essa taxa (representada aqui pela letra grega minúscula beta) foi definida como β = ln [Y(t+1)/Y(t)], onde Y(t+1) é o número de indivíduos infectados no dia (t+1), Y(t) é o número de infectados no dia anterior e ln indica logaritmo natural (base e).

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[FIGURA. A figura que companha este artigo documenta a variação na taxa de crescimento diário (eixo vertical, em %) no número de infectados na população mundial ao longo do mês de março. Três agregados de pontos estão indicados (A-C) e um quarto parece estar em formação (D). A linha unindo os pontos é a média móvel.]

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Quando os valores de β são colocados em um gráfico (ver a figura que acompanha este artigo), três agregados de pontos podem ser identificados [5]:

(1) Entre 1 e 10/3, intervalo durante o qual a taxa de crescimento variou entre β = 0,0208 (dia 2) e β = 0,03915 (dia 10);

(2) Entre 11 e 17/3, quando a taxa variou entre β = 0,0592 (dia 11) e β = 0,0828 (dia 17); e

(3) Entre 18 e 28/3, quando a taxa variou entre β = 0,0988 (dia 18) e β = 0,1214 (dia 26).

A julgar pelos resultados, a curva que a pandemia está a descrever (número de infectados v. tempo) teria passado pelo seu ponto de inflexão por volta do dia 26, quando a taxa de crescimento ‘bateu no teto’ – i.e., atingiu seu valor máximo e iniciou uma trajetória declinante. A partir de 28/3, a distribuição dos pontos prosseguiu em um patamar visivelmente inferior, sugerindo a formação de um quarto agregado. As estatísticas dos próximos dias nos dirão se tal prognóstico é acertado ou não.

Comentários adicionais & sugestões.

A extensão dos agregados e as distâncias entre eles já podem ser um reflexo das medidas tomadas mundo afora. Já começaram a surgir evidências de que ‘tirar o plugue da tomada’, diminuindo o contato social entre os indivíduos, foi uma decisão das mais acertadas.

Admitindo que os resultados apresentados aqui ofereçam um quadro realista do que se passou com a Covid-19 ao longo do mês de março, é bem provável que a queda (pós-26/3) na taxa de crescimento (β) esteja a sinalizar que as medidas de distanciamento social vêm surtindo efeito. E esses resultados também sustentam a afirmação de que as medidas devem ser mantidas (em múltiplas escalas: local, regional, nacional etc.), ao menos por mais uma ou duas semanas. Suspendê-las de maneira atabalhoada ou precipitada pode por tudo a perder, fazendo com que tenhamos pela frente uma nova escalada no número de casos e, por extensão, no número de mortes.

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Notas.

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] Painel ‘Mapping 2019-nCov’ (Johns Hopkins University, EUA).

[2] Painel ‘Worldometer: Coronavirus’ (Dadax, EUA).

[3] Números relativos a 31/3. Naquele dia, os 20 países com mais casos registrados eram EUA, Itália, Espanha, China, Alemanha, França, Irã, Reino Unido, Suíça, Turquia, Bélgica, Países Baixos, Áustria, Coreia do Sul, Canadá, Portugal, Brasil, Israel, Noruega e Austrália. Em 1/1, a Suécia tomou o lugar da Noruega, afastando a Austrália das 20 primeiras posições.

[4] Itália (11,4%) e Espanha (8,8%) empurram a média para cima. Israel, Austrália e Noruega (todos com menos de 1%) puxam a média para baixo. A julgar pelos números divulgados, 172 mil indivíduos já receberam alta, o que corresponde a 22% dos infectados. China (93%), Coreia do Sul (56%) e Irá (33%) lideram os percentuais de recuperação.

[5] Se a pandemia seguisse a taxa mais alta (β = 0,1214), o número de infectados dobraria a cada 5,7 dias; seguindo a taxa mais baixa (β = 0,0208), o número de infectados dobraria a cada 33,3 dias.

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