Não é hora de brincar de ‘fase de transição’
Felipe A. P. L. Costa [*].
RESUMO. – Este artigo atualiza as estatísticas mundiais a respeito da pandemia da Covid-19 divulgadas em artigo anterior (aqui). No caso específico do Brasil, o artigo também atualiza os valores das taxas de crescimento (casos e mortes). Entre 12 e 18/4, as taxas ficaram em 0,48% (casos) e 0,80% (mortes). Foi a primeira vez que as duas taxas declinaram juntas desde a primeira semana de fevereiro. A taxa de crescimento no número de casos está a cair (ainda que de modo tortuoso) desde a primeira semana de março. O impacto de tal tendência, ao que parece, está agora a se fazer notar na taxa de crescimento no número de mortes. Não é hora de afrouxar ainda mais as frouxas medidas de contenção. Brincar de ‘fase de transição’, por exemplo, como estaria a fazer o governo do estado de São Paulo, só irá nos empurrar ladeira acima. De novo.
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1. UM BALANÇO DA SITUAÇÃO MUNDIAL.
Levando em conta as estatísticas obtidas no fim da manhã desta segunda-feira (19/4) [1], eis um quadro da situação mundial.
(A) Em números absolutos, os 20 países [2] mais afetados seguem a concentrar 78% dos casos (de um total de 141.539.134) e 81% das mortes (de um total de 3.022.126) [3].
(B) Entre esses 20 países, a taxa de letalidade segue em 2,2%. A taxa brasileira subiu de 2,6% para 2,7%. (Os outros três países da América do Sul que estão no topo da lista têm as seguintes taxas: Argentina, 2,2%, Colômbia, 2,6%, e Peru, 3,4%.)
(C) Nesses 20 países, 83 milhões de indivíduos receberam alta, o que corresponde a 75% dos casos. Em escala global, 105,85 milhões de indivíduos já receberam alta.
2. O RITMO ATUAL DA PANDEMIA NO PAÍS.
Ontem (18/4), de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados em todo o país mais 42.980 casos e 1.657 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 13.943.071 casos e 373.335 mortes.
Em números absolutos, ambas as estatísticas declinaram em relação aos números da semana anterior (5-11/4), algo que não ocorria desde a primeira semana de fevereiro (1-7/2).
Foram registrados 461.048 novos casos – uma queda de 7% em relação à semana anterior (497.067). Foi a 20ª semana com mais de 300 mil novos casos – 15 dessas semanas foram registradas em 2021.
E foram registradas, desgraçadamente, 20.198 mortes – também uma queda de 7% em relação à semana anterior (21.704). Foi a 22ª semana com mais de 7 mil mortes – 14 dessas semanas foram registradas em 2021.
3. TAXAS DE CRESCIMENTO.
Os números absolutos e os percentuais referidos acima pouco ou nada dizem sobre o ritmo e o rumo da pandemia [4]. Para tanto, tenho usado como guia as taxas de crescimento no número de casos e de mortes.
Vejamos os resultados mais recentes.
Em comparação com os valores da semana anterior (5-11/4), as médias da semana passada (12-18/4) mostraram tendências de queda (ver a figura que acompanha este artigo). Foi a primeira vez que as duas taxas declinaram juntas desde a primeira semana de fevereiro (1-7/2).
A taxa de crescimento no número de casos caiu de 0,54% (5-11/4) para 0,48% (12-18/4) – o menor percentual nas últimas oito semanas [5].
A taxa de crescimento no número de mortes caiu de 0,91% (5-11/4) para 0,80% (12-18/4) – a maior queda registrada desde a última semana de dezembro (21-27/12) (ver a figura que acompanha este artigo) [5, 6]!
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FIGURA. Comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 28/6/2020 e 18/4/2021. (Valores acima de 2% não são mostrados.) As médias mais baixas das duas séries (casos e mortes) foram observadas entre 11/10 e 8/11, razão pela qual o período é referido aqui como o ‘melhor mês’. Logo em seguida, porém, note como as duas nuvens de pontos experimentaram rupturas e mudaram de rumo. E note como o apagão que houve na divulgação das estatísticas, na segunda quinzena de dezembro, rebaixou artificialmente as duas trajetórias.
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4. CODA.
A taxa de crescimento no número de novos casos está a cair (ainda que de modo tortuoso) desde a primeira semana de março (1-7/3) (ver a figura que acompanha este artigo). O impacto de tal tendência, ao que parece, está agora a se fazer notar na taxa de crescimento no número de mortes.
Não há dúvida de que os efeitos, além de tardios, ainda são pequenos. Mas é necessário lembrar que as medidas adotadas por governadores e prefeitos têm uma frágil coordenação em âmbito nacional. E o pior: as medidas seguem sendo boicotadas por governantes genocidas. O Palácio do Planalto, por exemplo, continua a apostar as suas fichas na confusão e no malfeito. Fosse outra a situação, estou certo de que os efeitos seriam muito mais expressivos e consistentes.
O recado para governadores, prefeitos e lideranças empresariais de boa-fé segue valendo e cabe em uma frase: A saída para a crise depende da adoção e da manutenção de medidas efetivas de proteção e confinamento [7]. Não é hora de afrouxar ainda mais as frouxas medidas de contenção. Brincar de ‘fase de transição’, por exemplo, como estaria a fazer o governo do estado de São Paulo, só irá nos empurrar ladeira acima. De novo.
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NOTAS.
[*] Há uma campanha de comercialização em curso envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.
[1] Vale notar que certos países atualizam suas estatísticas uma única vez ao longo do dia; outros atualizam duas vezes ou mais; e há uns poucos que estão a fazê-lo de modo mais ou menos errático. Alguns países europeus (e.g., Suécia, Suíça e Espanha) insistem em não divulgar as estatísticas em feriados e fins de semana. A julgar pelo que informam os painéis, o comportamento da Suécia tem sido particularmente surpreendente e vexatório. Acompanho as estatísticas mundiais em dois painéis, Mapping 2019-nCov (Johns Hopkins University, EUA) e Worldometer: Coronavirus (Dadax, EUA).
[2] Os 20 primeiros países da lista podem ser arranjados em seis grupos: (a) Entre 30 e 32 milhões de casos – Estados Unidos; (b) Entre 14 e 16 milhões – Índia; (c) Entre 12 e 14 milhões – Brasil; (d) Entre 4 e 6 milhões – França, Rússia, Reino Unido e Turquia; (e) Entre 2 e 4 milhões – Itália, Espanha, Alemanha, Polônia, Argentina, Colômbia, México, Irã e Ucrânia; e (f) Entre 1,5 e 2 milhões – Peru, Indonésia, Tchéquia e África do Sul.
[3] Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março, em escala mundial e nacional, ver os cinco volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).
[4] Arrisco dizer que a pandemia chegará ao fim sem que a imprensa brasileira (grande parte dela, ao menos) se dê conta de que está monitorando a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e bastante superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março, em escala mundial e nacional, ver referência citada na nota 4.
[5] Entre 19/10 e 11/4, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,5% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1), 0,66% (11-17/1), 0,59% (18-24/1), 0,57% (25-31/1), 0,49%(1-7/2), 0,46% (8-14/2), 0,48% (15-21/2), 0,53% (22-28/2), 0,62% (1-7/3), 0,59% (8-14/3), 0,63% (15-21/3), 0,63% (22-28/3), 0,5% (29/3-4/4); 0,54% (5-11/4); e 0,48% (12-18/4); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1), 0,47% (11-17/1), 0,48% (18-24/1), 0,48% (25-31/1), 0,44%(1-7/2), 0,47% (8-14/2), 0,43% (15-21/2), 0,48% (22-28/2), 0,58% (1-7/3), 0,68% (8-14/3), 0,79% (15-21/3), 0,86% (22-28/3), 0,86% (29/3-4/4); 0,91% (5-11/4); e 0,80% (12-18/4).
Não custa lembrar: Os valores citados acima são médias semanais de uma taxa diária. Outra coisa: para fins de monitoramento, é importante ficar de olho nas taxas de crescimento (casos e mortes), não em valores absolutos. Considere uma taxa de crescimento de 0,5%. Se o total de casos no dia 1 está em 100.000, no dia 2 estará em 100.500 (= 100.000 x 1,005) e no dia 8 (uma semana depois), em 103.553 (= 100.000 x 1,0057; um acréscimo de 3.553 casos em relação ao dia 1); se o total no dia 1 está em 4.000.000, no dia 2 estará em 4.020.000 e no dia 8, em 4.142.118 (acréscimo de 142.118); se o no dia 1 o total está em 10.000.000, no dia 2 estará em 10.050.000 e no dia 8, em 10.355.294 (acréscimo de 355.294). Como se vê, embora os valores absolutos dos acréscimos referidos acima sejam muito desiguais (3.553, 142.118 e 355.294), todos eles equivalem ao mesmo percentual de aumento (~3,55%) em relação aos respectivos valores iniciais.
[6] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, consulte qualquer um dos três primeiros volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (ver nota 3).
[7] É um erro imaginar que a saída para a crise será pavimentada pela campanha de vacinação, mesmo na hipótese de que ela saía do marasmo em que se encontra. Como alertei em artigos anteriores, os efeitos da vacinação só serão percebidos – na melhor das hipóteses – quando mais da metade dos brasileiros tiver sido vacinada. E tal não ocorrerá antes do segundo semestre. E mais: Devemos tomar cuidado com as armadilhas mentais que cercam a campanha de vacinação. Três das quais seriam as seguintes: (1) a imunização individual não é instantânea nem nos livra de continuar adotando as medidas de proteção social (e.g., distanciamento espacial e uso de máscara); (2) a imunização coletiva só será alcançada depois que a maioria (> 75%) da população tiver sido vacinada; e (3) a população brasileira é grande, de sorte que a campanha irá demorar vários meses (mais de um ano, talvez).
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