Os métodos e limites do conhecimento científico
Pierre Auger
Muitas vezes foram ridicularizados os cientistas e suas construções mais ou menos abstratas, porque de ano para ano (e algumas vezes de dia para dia) viam-se cair algumas de suas hipóteses, substituídas por ideias consideradas melhores. Como dar crédito a esta ou àquela nova teoria, uma vez que a vemos substituir alegremente a teoria precedente que se encontra abandonada? Tal é o preço da objetividade e da universalidade. Inversamente, vemos ideias como aquelas que se encontram na base do espiritismo, da telepatia, da astrologia, resistir a todos os assaltos da ciência e a numerosas ministrações da prova do contrário. Essas não lhe são simplesmente sensíveis devido ao seu dispositivo de seleção. Há, atualmente, pessoas que aparecem nos laboratórios de física para falar de raios N. Contudo, trata-se no caso de resultados obtidos por homens de ciência, e cuja falsidade foi comprovada algum tempo depois; para os cientistas, tais acontecimentos são normais e não deixam dúvidas: abandonaram-se simplesmente tais ideias. Mas os não cientistas não são sensíveis, de igual maneira, à prova do contrário, podendo continuar a falar de raios N, ou a desaprovar os raios mitogenéticos sem se inquietar. Inversamente, jamais verão um homem de ciência afirmar que o sistema de Ptolomeu proporciona o verdadeiro mecanismo do sistema solar.
[...] Gostaria de citar a propósito um fato pessoal que me impressionou muito. Tendo proferido no Centre Universitaire Méditerranéen, em Nice, duas conferências sobe raios cósmicos (é inútil dizer que na segunda o público era menos numeroso do que na primeira), um dos ouvintes me procurou ao fim da palestra e me disse: “Gostaria de dizer-lhe o que penso da vida”. Explicou-me então que concebia a vida como “turbilhões de raios cósmicos”. Daí por que vinha falar-me disso. Como eu mostrasse um ar algo espantado, observou-me vivamente: “Não pretendo convencê-lo, mas essa teoria me satisfaz; explico a mim mesmo a vida pelos turbilhões de raios cósmicos, e isso me contenta”. Depois apressou-se em partir, no temor de que eu procurasse demonstrar-lhe a inanidade de sua teoria. Precisava falar-me para ter o prazer da sensação de exprimir uma vez mais a sua teoria; logo aprestou-se em guardar de novo o su tesouro e fugir com ele.
Fonte: Born, M. & mais 3 1969 [1961]. Problemas da física teórica. SP, Perspectiva.
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