26 janeiro 2022

À beira do abismo: Como e por que o total de casos pode dobrar em apenas três semanas

Felipe A. P. L. Costa [*].

RESUMO. – Este artigo atualiza os valores das taxas de crescimento (casos e mortes) publicados em artigo anterior (aqui). Entre 17 e 23/1, essas taxas ficaram em 0,6359% (casos) e 0,0471% (mortes). O número de novos casos segue a explodir mundo afora. (Graças à vacinação [1], o número de mortes cresce bem mais lentamente.) Em escala planetária, já são mais de 350 milhões de casos (para detalhes e referências, ver aqui). No caso específico do Brasil, a taxa de crescimento no número de casos aumentou 38 vezes ao longo de cinco semanas, saltando de 0,0165% (20-26/12) para 0,6359% (17-23/1). Neste ritmo, em apenas três semanas, o número de casos irá saltar de 24.044.255 (23/1) para algo em torno de 43 milhões de casos (13/2).

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1. O RITMO DA PANDEMIA NO PAÍS.

Ontem (23/1), de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, foram registrados em todo o país mais 135.080 casos e 296 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 24.044.255 casos e 623.097 mortes.

Na semana encerrada no domingo (17-23/1), foram registrados 1.043.598 novos casos – mais que o dobro do que foi anotado na semana anterior (10-16/12: 476.750) e o maior total semanal desde o início da pandemia.

Entre 17 e 23/1, infelizmente, foram registradas 2.052 mortes – quase o dobro do que foi registrado na semana anterior e o maior total desde a última semana de outubro (25-31/10: 2.180).

2. TAXAS DE CRESCIMENTO.

Os percentuais e os números absolutos referidos acima ajudam a descrever a situação. Todavia, para monitorar o ritmo e o rumo da pandemia [2], sigo a usar as taxas de crescimento no número de casos e de mortes. Ambas subiram em relação aos valores da semana anterior, com destaque para a taxa de crescimento no número de casos (ver a figura que acompanha este artigo).

Vejamos os resultados mais recentes.

A taxa de crescimento no número de casos saltou de 0,2997% (10-16/1) para 0,6359% (17-23/1) – o maior valor desde janeiro do ano passado (11-17/1/21: 0,66%) [3, 4].

A taxa de crescimento no número de mortes, por sua vez, subiu de 0,0245% (10-16/1) para 0,0471% (17-23/1) – o maior valor desde a última semana de outubro (25-31/10: 0,0513%).

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FIGURA. Comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 6/6/2021 e 23/1/2022. (Para resultados anteriores, ver aqui.) Alguns pares de pontos são coincidentes ou quase isso. As elipses e as setas associadas chamam a atenção para as escaladas detectadas nas últimas semanas. Note como é acentuada (> 45°) a declividade da seta azul, indicando como a taxa de crescimento no número de casos cresceu de modo acelerado entre 2/1 e 23/1.

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3. ESTATÍSTICAS PRECÁRIAS.

Sítios e aplicativos do Ministério da Saúde saíram do ar na primeira quinzena de dezembro. (Ao que parece, o sítio acaba de ser descongelado.) Razão pela qual o monitoramento da pandemia ficou ainda mais comprometido.

O apagão não podia se dar em pior hora. Afinal, o número de novos casos está a explodir em todo o mundo.

No caso do Brasil, especificamente, as estatísticas disponíveis mostram que a taxa de crescimento no número de casos aumentou 38 vezes ao longo das últimas cinco semanas. Eis o houve: de 0,0165% (20-26/12), a taxa saltou para 0,0345% (27/12-2/1); daí quadruplicou para 0,1472% (3-9/1); duplicou de novo, chegando a 0,2997% (10-16/1); e, por fim, duplicou mais uma vez, chegando a 0,6359% (17-23/1).

4. UM PAÍS A CAMINHO DO ABISMO.

Em artigo anterior, escrevi o seguinte:

“No cenário pessimista, as taxas seguirão aumentando. Neste contexto, uma simulação razoável seria a seguinte. A taxa de novos casos duplicaria mais duas vezes, saltando de 0,2997% (10-16/1) para 0,6002% (17-23/1) e daí para 1,2041% (24-30/1).”

Os resultados apresentados neste artigo mostram que a taxa de crescimento da semana passada mais do que dobrou em relação ao valor da semana anterior: de 0,2997% (10-16/1), o valor saltou para 0,6359% (17-23/1) (ver a figura que acompanha este artigo).

Se as simulações numéricas que apresentei antes (ver aqui) continuarem a refletir a dinâmica da pandemia tão de perto, os valores a serem observados nas próximas semanas não ficarão muito longe das seguintes estimativas: 1,2041% (24-30/1), 2,4227% (31/1-6/2) e 4,904% (7-13/2).

Por sua vez, estes percentuais de crescimento implicariam nos seguintes totais de casos: 26.145.526 (em 30/1), 30.915.019 (6/2) e 43.222.887 (13/2).

Seria um pesadelo. E uma clara demonstração de fraqueza e fracasso. Vejamos.

Após dois anos de pandemia, o país chegou a 24.044.255 casos (23/1). Um número por si só gigantesco e vergonhoso, pois sabidamente evitável. Agora, porém, em apenas três semanas, corremos o risco de multiplicar esse número por dois.

5. CODA.

A situação está ruim. Mas vai piorar. E temo que piore muito.

Afinal, se a proliferação do vírus entre nós continuar não só a ser tolerada, mas também a ser incentivada (leia-se: na hipótese de que a anarquia econômica e a inércia política continuem a imperar no país), a própria taxa de crescimento seguirá crescendo.

Mas é bom não esquecer o seguinte: a expansão desenfreada que estamos a presenciar não é culpa apenas e tão somente do Palácio do Planalto. Ou dos médicos e dos militares que estão empoleirados no Ministério da Saúde.

Muitos governadores e prefeitos estão de braços cruzados, torcendo para que ômicrom seja uma variante mais branda e cujo sucesso proliferativo estaria a anunciar a ‘luz no fim do túnel’. (O que, de fato, ainda não é o caso.)

O país não tem pessoal nem infraestrutura suficientes para lidar com a explosão numérica referida neste artigo – mais 20 milhões de casos em três semanas. O que nos colocaria à beira do abismo. Seria um pesadelo.

É assustador. Mas é também revoltante, visto que boa parte do que estamos a viver poderia ter sido evitada.

O que fazer? Em poucas palavras, eu diria que nós estamos na última encruzilhada antes do abismo: Ou as forças políticas e econômicas do país abrem os olhos, descruzam os braços e enfrentam para valer a pandemia, ou a pandemia irá passar por cima de todos nós – quebrando ainda mais empresas, destruindo ainda mais famílias e matando ainda mais brasileiros.

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NOTAS.

[*] Há uma campanha de comercialização em curso envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] O ritmo da campanha de vacinação caiu muitíssimo. Levamos 34 dias (24/8-27/9) para ir de 60% a 70% da população com ao menos uma dose da vacina. (E hoje, 24/1, seguimos empacados em torno dos 79%!) Antes disso, porém, levamos 25 dias (9/7-3/8) para ir de 40% a 50% e apenas 21 dias (3-24/8) para ir de 50% a 60%. Sobre os percentuais, ver ‘Coronavirus (COVID-19) Vaccinations’ (Our World in Data, Oxford, Inglaterra).

Como escrevi em ocasiões anteriores, uma saída rápida para a crise (minimizando o número de novos casos e, sobretudo, o de mortes) dependeria de dois fatores: (i) a adoção de medidas efetivas de proteção e confinamento; e (ii) uma massiva e acelerada campanha de vacinação.

[2] Ouso dizer que a pandemia chegará ao fim sem que a imprensa brasileira se dê conta de que está a monitorar a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, tanto em escala mundial como nacional, ver qualquer um dos três primeiros volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado, vols. 1-5 (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

[3] Entre 19/10/2020 e 23/1/2022, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,40% (26/10-1/11), 0,30% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,50% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1), 0,66% (11-17/1), 0,59% (18-24/1), 0,57% (25-31/1), 0,49%(1-7/2), 0,46% (8-14/2), 0,48% (15-21/2), 0,53% (22-28/2), 0,62% (1-7/3), 0,59% (8-14/3), 0,63% (15-21/3), 0,63% (22-28/3), 0,50% (29/3-4/4), 0,54% (5-11/4), 0,48% (12-18/4), 0,4026% (19-25/4), 0,4075% (26/4-2/5), 0,4111% (3-9/5), 0,4114% (10-16/5), 0,4115% (17-23/5), 0,38% (24-30/5), 0,37% (31/5-6/6), 0,39% (7-13/6), 0,4174% (14-20/6), 0,39% (21-27/6), 0,27% (28/6-4/7), 0,2419% (5-11/7), 0,21% (12-18/7), 0,23% (19-25/7), 0,1802% (26/7-1/8), 0,1621% (2-8/8), 0,14% (9-15/8), 0,1444% (16-22/8), 0,1183% (23-29/8), 0,1023% (30/8-5/9), 0,0744% (6-12/9), 0,1625% (13-19/9), 0,0753% (20-26/9), 0,0775% (27/9-3/10), 0,0715% (4-10/10), 0,0454% (11-17/10), 0,0562% (18-24/10), 0,0532% (25-31/10), 0,0455% (1-7/11), 0,0505% (8-14/11), 0,0385% (15-21/11), 0,0412% (22-28/11), 0,0402% (29/11-5/12), 0,0302% (6-12/12), 0,0154% (13-19/12), 0,0165% (20-26/12), 0,0345% (27/12-2/1), 0,1472% (3-9/1), 0,2997% (10-16/1) e 0,6359% (17-23/1); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1), 0,47% (11-17/1), 0,48% (18-24/1), 0,48% (25-31/1), 0,44%(1-7/2), 0,47% (8-14/2), 0,43% (15-21/2), 0,48% (22-28/2), 0,58% (1-7/3), 0,68% (8-14/3), 0,79% (15-21/3), 0,86% (22-28/3), 0,86% (29/3-4/4), 0,91% (5-11/4), 0,80% (12-18/4), 0,66% (19-25/4), 0,60% (26/4-2/5), 0,51% (3-9/5), 0,45% (10-16/5), 0,43% (17-23/5), 0,40% (24-30/5), 0,35% (31/5-6/6), 0,4171% (7-13/6), 0,4175% (14-20/6), 0,33% (21-27/6), 0,30% (28/6-4/7), 0,23% (5-11/7), 0,23% (12-18/7), 0,20% (19-25/7), 0,1785% (26/7-1/8), 0,1613% (2-8/8), 0,1492% (9-15/8), 0,1367% (16-22/8), 0,1185% (23-29/8), 0,1062% (30/8-5/9), 0,07870% (6-12/9), 0,0947% (13-19/9), 0,0890% (20-26/9), 0,0840% (27/9-3/10), 0,0730% (4-10/10), 0,0539% (11-17/10), 0,0558% (18-24/10), 0,0513% (25-31/10), 0,0381% (1-7/11), 0,0430% (8-14/11), 0,0321% (15-21/11), 0,0377% (22-28/11), 0,0316% (29/11-5/12), 0,0277% (6-12/12), 0,0225% (13-19/12), 0,0156% (20-26/12), 0,0151% (27/12-2/1), 0,0196% (3-9/1), 0,0245% (10-16/1) e 0,0471% (17-23/1).

Não custa lembrar: Os valores acima são as médias semanais de uma taxa que, por razões metodológicas, oscila ao longo da semana. Para fins de monitoramento, é importante ficar de olho nas taxas de crescimento (casos e mortes), não em valores absolutos. Considere uma taxa de crescimento de 0,5%. Se o total de casos no dia 1 está em 100.000, no dia 2 estará em 100.500 (= 100.000 x 1,005) e no dia 8 (sete dias depois), em 103.553 (= 100.000 x 1,0057; um acréscimo de 3.553 casos em relação ao dia 1); se o total no dia 1 está em 4.000.000, no dia 2 estará em 4.020.000 e no dia 8, em 4.142.118 (acréscimo de 142.118); se o no dia 1 o total está em 10.000.000, no dia 2 estará em 10.050.000 e no dia 8, em 10.355.294 (acréscimo de 355.294). Como se vê, embora os valores absolutos dos acréscimos referidos acima sejam muito desiguais (3.553, 142.118 e 355.294), todos equivalem ao mesmo percentual de aumento (~3,55%) em relação aos respectivos valores iniciais.

[4] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, ver referências citadas na nota 2.

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