25 outubro 2022

Bituca, 80 anos – Clube da Esquina 3

F. Ponce de León

Comecei a ouvir música com regularidade em meados da década de 1970. Não ouvi tudo o que apareceu desde então. (Em compensação, ouvi e ouço coisas produzidas em décadas anteriores.)

Uma das razões de não ter sequer tentado ouvir tudo é que eu não sou um profissional da área, não sou um crítico musical – diferente, portanto, do crítico literário Wilson Martins (1921-2010), autor de História da inteligência brasileira (Cultrix, 7 v., 1977-8), que se obrigou a ‘ler tudo’. Assim é que sempre fui um ouvinte seletivo e sistemático, para não dizer preconceituoso: nem todos os LPs produzidos no país (nunca colecionei CDs) são bem-vindos aqui em casa [1].

Daquilo que eu já ouvi e conheço, notadamente no âmbito da chamada música popular, nada me impressionou e me agradou tanto como o álbum Clube da Esquina (1972), de Milton Nascimento & Lô Borges.

Um parêntesis. Em maio de 2022, 162 ‘especialistas’ (entre os quais, além de ‘influenciadores’ e ‘bajuladores profissionais’, presumo que havia gente que de fato sabe do que está falando) escolheram o álbum Clube da Esquina como o número 1 dos álbuns da história da música popular brasileira (ver aqui). Trata-se de uma notícia alvissareira, sobretudo para quem se preocupa com a reputação dos nossos críticos [2].

Sobre o álbum em si, claro, eu não tenho dúvida em dizer que se trata do crème de la crème da discografia brasileira, ao menos no universo da música popular. De minha parte, para ser sincero, sou adepto da tese de que as únicas comparações dignas de nota devem levar em conta outros álbuns assinados pelo próprio Milton, como Minas (1975), Geraes (1976) e Clube da Esquina 2 (1978) [3].

Aniversário de 80 anos.

Centro de gravidade daquele que talvez seja o mais generoso e, por isso mesmo, o mais rico e o mais interessante de todos os movimentos musicais brasileiros [4], Milton Nascimento completará amanhã, quarta-feira, 26 de outubro, 80 anos de idade.

Como muitos leitores já devem saber, o artista está na reta final de uma turnê mundial, A última sessão de música, feita para marcar a sua despedida dos palcos. Ao menos como cantor. A derradeira apresentação está marcada para 13 de novembro. Será no Mineirão, em BH. (O estádio, infelizmente, é finito e inelástico: nele, portanto, não cabem todos os que gostariam de estar lá...)

Na impossibilidade de encontrar pessoalmente com o aniversariante, ou mesmo de ir ao Mineirão, decidi render aqui as minhas homenagens. Para tanto, lancei mão das poucas ferramentas que tenho ao meu alcance. Por ora, decidi organizar a coletânea que apresento a seguir.

Uma coletânea idiossincrática.

No que segue, listo as 27 canções que integrariam um álbum imaginário. A rigor, um álbum duplo, o qual, ousadamente, estou a rotular aqui de Clube da Esquina 3.

18 dessas 27 canções foram compostas por Milton Nascimento, 17 das quais em parceria. (Os ouvintes mais jovens talvez não saibam, mas as letras das canções do Bituca quase sempre são de autoria do parceiro.) As 9 canções restantes (letra e melodia) são de outros autores, oito das quais ele gravou ao menos uma vez. Uma delas [n. 3], porém, não é dele e, salvo melhor juízo, ele jamais gravou. Foi incluída na lista como uma espécie de homenagem a uma série de canções que o Milton não chegou a gravar, embora, arrisco dizer, ele bem poderia tê-lo feito. (No fim das contas, não cabe tudo em um álbum!)

Arranjadas por mim em 9 grupos de três, as 27 canções foram então distribuídas em dois discos, lembrando que o nosso álbum imaginário seria um álbum duplo. As canções estão listadas na ordem em que apareceriam nos discos 1 e 2. Entre parêntesis, cito o nome e o ano de produção do álbum de onde foram extraídas as referidas versões de cada canção. (Observe que os álbuns de onde tais versões foram extraídas nem sempre são álbuns dele.) Clicando no título de cada canção, o leitor poderá ouvir a referida versão. (Sempre que possível, procurei recorrer a uma fonte oficial.)

Eis as 27 canções que integrariam o álbum Clube da Esquina 3:

Disco 1.

[1] Pai grande (Milton, 1970), de Milton Nascimento. Voz: Milton Nascimento.

[2] Dança dos meninos (Yauaretê, 1987), de Milton Nascimento & Marco Antônio Guimarães. Voz: Milton Nascimento.

[3] Vale do pavão (Espelho das Águas, 1981), de Flávio Venturini & Márcio Borges. Voz: 14 Bis.

[4] Cais (Clube da Esquina, 1972), de Milton Nascimento & Ronaldo Bastos. Voz: Milton Nascimento.

[5] Benke (Txai, 1983), de Milton Nascimento & Márcio Borges. Voz: Milton Nascimento & Leonardo Bretas.

[6] Mistérios (Clube da Esquina 2, 1978), de Joyce & Maurício Maestro. Voz: Milton Nascimento & Boca Livre.

[7] Milagre dos peixes (Milagre dos Peixes, 1974), de Milton Nascimento & Fernando Brant. Voz: Milton Nascimento.

[8] Um gosto de sol (Ao Vivo, 1983), de Milton Nascimento & Ronaldo Bastos. Voz: Milton Nascimento & Gal Costa.

[9] Sueño com serpientes (Sentinela, 1980), de Silvio Rodrigues. Voz: Mercedes Sosa & Milton Nascimento.

[10] Ponta de areia (Nana Caymmi, 1975), de Milton Nascimento & Fernando Brant. Voz: Nana Caymmi.

[11] Cio da terra (Journey to Dawn, 1979), de Milton Nascimento & Chico Buarque (inglês: Jim Webb). Voz: Milton Nascimento.

[12] Meu menino (Clube da Esquina 2, 1978), de Danilo Caymmi & Ana Terra. Voz: Milton Nascimento.

[13] Gran Circo (Minas, 1975), de Milton Nascimento & Márcio Borges. Voz: Milton Nascimento (vocalizo: Fafá de Belém).

[14] Sentinela (Sentinela, 1980), de Milton Nascimento & Fernando Brant. Voz: Nana Caymmi & Milton Nascimento.

[15] Olho d’Água (Clube da Esquina 2, 1978), de Paulo Jobim & Ronaldo Bastos. Voz: Milton Nascimento.

Disco 2.

[16] Fé cega, faca amolada (Minas, 1975), de Milton Nascimento & Ronaldo Bastos. Voz: Milton Nascimento & Beto Guedes.

[17] Clube da esquina 2 (A Via-Láctea, 1979), de Milton Nascimento, Lô & Márcio Borges. Voz: Lô & Solange Borges.

[18] Minas Geraes (Geraes, 1976), de Novelli & Ronaldo Bastos. Voz: Milton Nascimento.

[19] Promessas do sol (Geraes, 1976), de Milton Nascimento & Fernando Brant. Voz: Milton Nascimento.

[20] Léo (Clube da Esquina 2, 1978), de Milton Nascimento & Chico Buarque. Voz: Milton Nascimento.

[21] Beijo partido (Nana Caymmi, 1975), de Toninho Horta. Voz: Nana Caymmi.

[22] Menino (Geraes, 1976), de Milton Nascimento & Ronaldo Bastos. Voz: Milton Nascimento.

[23] Caxangá (Elis, 1977), de Milton Nascimento & Fernando Brant. Voz: Elis Regina.

[24] Um girassol da cor do seu cabelo (Clube da Esquina, 1972), de Lô & Márcio Borges. Voz: Lô Borges.

[25] Maria solidária (Maria Maria + Último Trem, 2010), de Milton Nascimento & Fernando Brant. Voz: Fafá de Belém, Nana Caymmi, Beto Guedes & Milton Nascimento.

[26] Boca a boca (Renascer, 1976), de Milton Nascimento & Fernando Brant. Voz: Nana & Dori Caymmi.

[27] Tudo o que você podia ser (Clube da Esquina, 1972), de Lô & Márcio Borges. Voz: Milton Nascimento.

*

Feliz aniversário, Bituca. Um forte e carinhoso abraço.

*

Notas.

[1] Além de ouvinte preconceituoso, sou um colecionar de poucas posses. Razão pela qual não tenho todos os álbuns que gostaria de ter. (Ainda guardo comigo uma lista de LPs que pretendo adquirir... Só falta o dinheiro.)

[2] Entre nós, brasileiros, crítica e jornalismo são como azeite e água: não se combinam. Isso vale, obviamente, para outros segmentos do nosso universo cultural. Muito do que a crítica literária faz hoje em dia, por exemplo, é mera propaganda. E de quinta categoria.

[3] Falando mais claramente: Milton Nascimento assina não apenas aquele que seria o melhor álbum da história da música popular brasileira, mas sim os quatro melhores.

[4] Para uma breve introdução ao chamado Clube da Esquina, cujos integrantes costumam rejeitar o rótulo de ‘movimento musical’, ver o livro Os sonhos não envelhecem (Geração Editorial, 1996), de Márcio Borges.

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