03 novembro 2022

“Não é torcida. É matemática” – Monitorando a apuração e prevendo o resultado


1. O TAMANHO DO ELEITORADO.

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, 155.756.933 brasileiros poderiam ter ido votar no segundo turno das eleições.

Não chegou a tanto. No domingo (30/10), compareceram e votaram 124.252.796 eleitores – algo como 79,8% do máximo possível.

Dos que compareceram, 118.552.353 eleitores produziram votos válidos. Outros 5.700.443 compareceram, mas não produziram votos válidos – foram 1,7697 milhão de votos brancos e 3,9308 milhões de nulos [1].

Dos 118.552.353 votos válidos, 60.345.999 (50,9% do total) foram dados ao candidato vitorioso; outros 58.206.354 (49,1%) foram dados ao candidato derrotado.

2. MONITORANDO A APURAÇÃO.

Em 2020, eu monitorei a apuração dos votos durante a eleição presidencial nos Estados Unidos. O monitoramento me permitiu prever com segurança e antecedência de alguns dias (bem antes, por exemplo, de qualquer manchete em nossa imprensa) não apenas a vitória de um dos candidatos, mas também a margem exata de votos que o vitorioso teria no colégio eleitoral [2].

Conforme relatei em artigo sobre o assunto publicado neste GGN (ver aqui), em 12/11/2020 (sem grifo no original):

“[L]ogo percebi que o percentual de votos destinados ao candidato democrata crescia à medida que aumentava o total de votos apurados [...]. E não era uma relação frouxa ou errática. Ao contrário, era uma relação estreita e consistente, a ponto de permitir que se calculasse como e quando o candidato democrata ultrapassaria o republicano. E não deu outra…”

Algo assim ocorreu aqui no domingo. Com a ressalva de que o processo de apuração por lá levou dias, enquanto aqui não foram necessárias mais do que duas horas até que se descobrisse o nome do candidato vitorioso.

Fazer previsões não é nenhum bicho de sete cabeças. Ou, como diria um amigo meu, falando a respeito de estatísticas e probabilidades eleitorais, “Não é torcida. É matemática”.

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FIGURA. A estreita relação existente entre o percentual de votos apurados (eixo horizontal ou eixo x) e o percentual de votos destinados ao candidato vitorioso (eixo vertical ou eixo y). Note que o primeiro ponto é formado pelo par x = 9,44 e y = 47,91 (leia-se: de um total de 9,44% de votos apurados, 47,91% foram dados ao referido candidato). A linha preta que atravessa a nuvem de pontos indica a trajetória linear que melhor resume a relação entre as duas variáveis. Para fins de análise, dividi a nuvem em cinco grupos (etapas A-E). O triângulo que acompanha cada grupo visa ressaltar as particularidades que identifiquei em cada um deles, em especial o modo como cada grupo se destaca, ora acelerando, ora freando em relação à média geral (linha preta). Os valores numéricos que aparecem acima dos triângulos indicam a inclinação (em relação ao eixo x) da hipotenusa de cada triângulo. Quanto maior o índice, mais inclinada é a hipotenusa e, portanto, mais rapidamente os valores de y mudam em relação aos valores correspondentes de x. E e A foram as etapas mais rápidas, enquanto D e C foram as mais lentas. O encarte no canto inferior direito oferece um panorama geral da nuvem de pontos, com a sua linha média. A inclinação desta última é de 0,0292, um valor intermediário ao das etapas B e D.

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3. VIRADA LENTA E INEXORÁVEL.

A figura que acompanha este artigo ilustra a trajetória da apuração. No âmbito da nossa conversa, duas coisas são dignas de nota. (1) Na maior parte do tempo, o candidato que viria a ser derrotado permaneceu à frente da disputa. Uma possível explicação para isso tem a ver com a ordem de divulgação dos resultados parciais (e.g., no início da apuração – na primeira metade, digamos – houve um predomínio de votos oriundos de regiões ou estados onde o candidato derrotado teve relativamente mais votos).

Para fins de análise, porém, o ponto mais importante aqui é o seguinte: O candidato que ao final se revelaria vitorioso estava em trajetória ascendente desde o início (diga-se: ao menos desde x = 9,44%) (ver a figura que acompanha este artigo). Além disso, dentro dessa ‘trajetória de ascensão permanente’, é possível identificar alguns ‘surtos de aceleração’. Esses surtos seriam decorrentes da computação de votos oriundos de regiões ou estados onde o candidato vitorioso ganhou por margens bem superiores à sua média nacional.

Considere, por exemplo, o que houve nas etapas A e C indicadas na figura que acompanha este artigo. Na etapa A, o percentual de votos dados ao candidato vitorioso cresceu muito mais rapidamente do que na etapa C. Seguramente por que, durante a etapa A, estavam a ser computados votos oriundos de regiões onde o candidato vitorioso tinha uma vantagem bem superior à sua média nacional [3].

4. CODA.

Pouco depois de a apuração ter se iniciado (digamos, ao menos por volta de x = 9,44%), foi se tornando cada vez mais claro e evidente que o resultado final da eleição era um alvo fixo e previsível.

Ao contrário do que foi dito em algumas matérias publicadas na imprensa (e.g., aqui e aqui), o resultado da eleição nada teve de espetaculoso ou imprevisível. Ao contrário, conforme tentei mostrar neste artigo, a trajetória da apuração não exibiu qualquer ‘sobe e desce’ nem se assemelhou a uma ‘caminhada de bêbado’.

É fato que o candidato que se revelaria vitorioso permaneceu muito tempo atrás. Mas não era difícil perceber que o percentual do candidato estava a crescer – e a crescer sem parar – à medida que a apuração avançava. Em tais circunstâncias, a virada é praticamente inevitável. Torna-se, portanto, algo bastante previsível [4]. Em outras palavras: Depois que as urnas se fecham e a apuração tem início, tudo se resume a fazer algumas contas.

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NOTAS.

[*] Há uma campanha de comercialização envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Não vem ao caso discutir isso aqui, mas desconfio que boa parte dos votos nulos é fruto de erros involuntários.

[2] Lembrando apenas que o sistema eleitoral nos EUA, além de ter uma apuração bem mais lenta, resulta em um processo de escolha bem menos democrático que o brasileiro.

[3] Por exemplo, o candidato vitorioso ganhou em MG, BA e PI. Porém, (1) No Piauí e na Bahia, os percentuais de votos dados a ele foram bem superiores ao de Minas Gerais; e (2) O número de eleitores do PI é bem inferior ao de MG, de sorte que o peso relativo deste último estado na construção da média nacional é bem superior ao do primeiro estado.

[4] Com apenas cerca de um quarto dos votos apurados, eu mesmo passei a tratar a virada como certa e inevitável. Ainda que as minhas primeiras estimativas (e.g., virada em 52%) tenham se revelado precipitadas. (A virada terminou ocorrendo com 68% dos votos apurados.)

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