A diária
Gil de Carvalho
Um fósforo aceso no escuro Lisboa
Muito cedo. Passa do muro indigo
Às casas; e vai resgatando partes
Do arvoredo. Põe a traqueia em risco
Fedegosa – Sabias? Vamos para o emprego.
A pequena actriz procura trabalho
E deixa-se foder. Entram padrões
De consumo a erguer o riso muito
Mais em baixo: espetáculos de rua.
São argolas de um muro... presas
Onde o rio – bate, farmacopeia sua.
Enquanto dois velhos sonâmbulos
Ptão e Raz, concebem disto – a fundo
Uma nova peça para antigos amos:
Cedo Lisboa raspada num fósforo cheira
Um pouco a terebentina e mar. Um gato
No casco, mija para entrar no segredo.
Por mais folhas que suba o sol
Segura mal velhos observatórios
A templos recentes. Tal como
O país, terá de escolher: ou menos
Puta ou melhor actriz.
Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1998.
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