04 setembro 2024

Casamento de conveniência

Rui Knopfli

Meus pais não querem que ame
a quem amo.
Pretendem que me case contigo,
Juventina.
Não és boa, nem és má,
nem bela, nem feia
e dizem-te prendada e virtuosa,
mas, quanto te aborreço!,
Juventina.
Dão-me um automóvel e uma casa
pra que case contigo,
Juventina.
Tens um nome que te quadra à figura,
rapariga,
e trazes intacto o selo necessário.
Seremos na vida, como dois funcionários públicos
da mesma repartição
cujas circunstâncias obrigam a ver-se e a contactar
diariamente.
Nada mais.
Com a tua estupidez morreremos
de chatice
e levar-te-ei obrigatoriamente
ao cinema, uma vez por semana.
Aceitarás com submissão
que te mande à merda de quando em vez
e não farás muitas ondas.
Sei que não pedes mais,
é pegar ou largar,
Juventina!

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1959.

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