17 setembro 2024

É urgente frear o esgoto paulistano

F. Ponce de León

[O] pensamento claro e lógico é como um jogo com regras definidas e verificáveis, em que qualquer sujeito maltrapilho pode desafiar e derrotar o Mestre, enquanto no reino da confusão e do absurdo não há regras do jogo que justifiquem a queda do Mestre e uma refutação d’O Que Ele Disse.Stanislav Andreski (1919-2007).

O episódio da cadeirada em programa da TV Cultura (SP) (ver aqui), no domingo (15), é apenas o exemplo mais recente de uma longa trajetória de horrores promovidos pelo maior mercado publicitário do país.

Cínica, provinciana e preguiçosa, a mídia paulistana nada mais é do que isto: o reflexo de um mercado movido pela grilagem. O leitor mais desavisado talvez não saiba, mas quem hoje dá as cartas nos grandes veículos de imprensa não são jornalistas; são especuladores, banqueiros e outros parasitas que vivem a ganhar dinheiro na mão grande. (O cinismo, claro, não se restringe à direita. Tem sítio informativo que se denomina progressista, mas que vive a defender a Petrobras todo santo dia, como se isso equivalesse a defender a classe trabalhadora ou a população brasileira. Não custa lembrar: assim como a Shell, a Exxon, a BP e tantas outras, a Petrobras é uma petroleira. E assim como as mineradoras e a indústria de armas, as petroleiras são inimigas da humanidade. Infelizmente é isto: até mesmo alguns dos veículos ditos alternativos vivem do bom e velho noticiário patrocinado, a exemplo do que fazem há décadas a Folha, o Estadão e a Rede Globo.)

Uma prova cabal do cinismo das emissoras de TV emerge da própria composição da bancada de candidatos e entrevistadores que são convidados a participar desses falsos debates. (A rigor, a TV brasileira – Globo à frente – só promove circo. Não há nem nunca houve qualquer preocupação séria com debate pré-eleitoral.)

Um misto de hacker, coach, pastor, malandro e amigo do alheio (olhando daqui, os termos me parecem sinônimos), o sujeito que levou a cadeirada simplesmente não devia estar ali. Por quê? Ao menos por dois motivos. O primeiro deles, digamos, é um motivo formal: o partido ao qual ele está afiliado não tem a representatividade mínima exigida por lei. O segundo é um motivo mais efetivo: além de ser um candidato desprovido de propostas e nada preocupado em discutir ideias, ele é apenas e tão somente um piromaníaco a promover incêndios diante das câmeras. E é aí que reside o cinismo e, ao mesmo tempo, a irresponsabilidade da mídia: como incêndios dão audiência, as emissoras ficam a correr atrás do sujeito.

CODA.

20% da população brasileira vivem no estado de São Paulo. Um quarto disso (5%) está concentrado na capital do estado. Em outras palavras, 95% da população brasileira estão livres do esgoto paulistano. Todavia, como a pauta dos noticiários é imposta pelo mercado publicitário, a esmagadora maioria dos brasileiros é forçada a ver, ouvir e cheirar os gases que emanam todos os dias da cidade de São Paulo.

E os gases emanam por vários poros. Tem a TV Cultura, claro, mas ainda tem coisa bem pior, como o SBT, a Record, a Bandeirantes e, claro, a Globo. (Há poros menores, como a Gazeta e a Rede TV, mas esses, ao que parece, são de alcance mais restrito.)

O fato é: ou o país dá um jeito no esgoto paulistano ou o esgoto paulistano vai contaminar o país inteiro.

(Pessoalmente, tenho muitas saudades de quando a Erundina era a prefeita da cidade. Ela não é candidata nem há outra Erundina para São Paulo. Em compensação, algumas cidades pelo país afora estão a abrir os olhos e vão eleger ou reeleger mulheres. Porto Alegre, por exemplo, tem chance de escolher para prefeita não só um dos mais combativos parlamentares em atividade hoje, mas também uma das mulheres mais bonitas do país.)

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