11 setembro 2024

O ar puro do inferno

F. Ponce de León

Não, não estamos no verão. Estamos em setembro, o último mês do inverno. No fim do mês, terá início a primavera e aí, três meses depois, no fim de dezembro, terá início o verão. Sim, o verão só começa em dezembro.

Todo ano é a mesma coisa: verão (dezembro a março), outono (março a junho), inverno (junho a setembro) e primavera (setembro a dezembro). E daí é verão de novo e o ciclo recomeça. Não fui eu quem inventou isso. É assim há milhares de anos.

Um parêntesis: o verão de 2025 promete! Sim, a julgar pelos patrocinadores conhecidos – e.g., petroleiras (Shell, Exxon, BP, Petrobras etc.) e o agronegócio (soja, cana-de-açúcar, gado etc.) –, a temporada de esportes radicais na TV vai ser quente. Alguns recordes históricos deverão ser quebrados.

Mas, voltemos ao tema principal.

O AR PURO DE SÃO PAULO.

Ontem, 10/9, pelo segundo dia consecutivo, a cidade de São Paulo foi notícia no mundo todo. O motivo? A pureza do ar. Além dos meandros fluviais ajardinados que emolduram a cidade, eis que o ar puro é agora também tema para as redações escolares.

Não foi fácil chegar até aqui. Muita árvore tóxica e perigosa teve de ser destruída. Muita vegetação ribeirinha e muitos quintais de terra tiveram de ser cimentados. Muito campo de terra teve de virar centro comercial. Não foi acidente nem foi da noite para o dia. Foi um trabalho miúdo, silencioso, deliberado. E muita gente colaborou.

Todavia, embora muitas pessoas físicas tenham participado do negócio, não há como negar que as grandes empresas (públicas ou privadas, nacionais ou multinacionais) assumiram para si a parte mais pesada do empreendimento. Quem não interveio diretamente, ajudou no patrocínio. Assim, para ser justo, caberia mencionar aqui ao menos alguns dos setores que mais se destacaram.

Tivemos, por exemplo, a Febraban, sempre tão preocupada com o bem-estar da nossa população em situação de rua. E mais: a Fiesp e a indústria da construção civil, incluindo a nobre indústria do cimento; as imobiliárias e os cartórios; as petroleiras, as redes de postos de gasolina e a querida indústria automobilística, pioneira no uso da mão de obra que nunca faz greve. Por último, mas não menos importante, caberia um lugar de honra aos ilusionistas de dupla jornada – aquela turma boa e bonita que de dia ganha dinheiro na bolsa de valores e, à noite, dita os juros do Banco Central e a pauta dos nossos premiadíssimos veículos de imprensa (Folha, Estadão, Veja etc.).

Parabéns e obrigado a todos pelo trabalho.

CODA.

O ar puro da cidade de São Paulo é hoje uma demonstração cabal de que os programas de modernização da pilhagem, iniciados lá atrás, ainda no primeiro governo FHC (1995-1998), o mais intrépido e visionário dos presidentes que este país já teve, deram mais do que certo. Outras metrópoles brasileiras já estão atrás da fórmula paulistana.

De resto, pensando ainda na cidade de São Paulo, uma notícia de última hora: com a ajuda do governo do estado, alguns dos mais valorosos e altruístas praticantes da pilhagem – bancos de investimentos e casas de apostas – já estão a articular o próximo passo. Vem aí a modernização da saúde mental dos paulistanos. Sim, vem aí a eleição do próximo prefeito – que tal, por exemplo, eleger um sujeito que ouve Sartre enquanto corre 15 km em uma esteira ou alguém que ouve Simone de Beauvoir enquanto espanca uma prostituta?

É isso aí. O inferno está chegando e a cidade de São Paulo quer ficar com a maior fatia.

* * *

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